Duna: Parte Dois

Avaliação: 4 de 5.

Denis Villeneuve é um diretor que trabalha muito para mostrar o quão competente é. Por isso, ‘Duna’, de 2021, limitou-se não só à construção de uma introdução ao universo fantástico do livro cujo filme foi inspirado, mas também esteve contido nas intenções de Villeneuve, que manteve a obra na fronteira entre o seu caráter privado de exposição, e o que era efetivamente essencial para atrair o público. Foi um filme em que a demonstração de força era mais do que necessária para atingir o seu objetivo.

‘Duna: Parte Dois’, por sua vez, vai exatamente na contramão dessa ideia, pois é um filme que dispensa o olhar efetivo do diretor, acerta na determinação de sua linguagem blockbuster e consegue ir além da mera demonstração de força. A continuação do longa de 2021 se aprofunda no sincretismo político e religioso das areias de Arrakis, planeta agora ocupado pelos Harkonnen, que agem de forma brutal para obter a especiaria. Como parte do povo que resiste às agressões, Paul Atreides (Timothée Chalamet) e sua mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), que sobreviveu ao massacre que matou seu pai, Leto Atreides (Oscar Isaac), precisam seguir um caminho que se alterna entre escolha amor e missão, vingança e poder, profecia e realidade.

Inicialmente, Villeneuve pode ter dado a impressão de abrir mão de parte de suas fórmulas que recorrem à contemplação da amplitude do cenário através de planos silenciosos, mas a verdade é que se isso realmente acontecesse, ‘Duna: Parte Dois’ não seria muito eficaz na mistura de visões que são propensas a persuadir o espectador. Na verdade, a contemplação ainda está lá, porém, coberta por cenas de ação que seguem uma sequência bastante desafiadora tanto para quem a faz quanto para quem assiste. É claro que o diretor, com mais vontade do que nunca, busca fazer do espetáculo sensorial a chave da experiência. Mais do que intenções, ele sabe organizar todos esses pequenos elementos para estabelecer a sua máxima. É o filme mais bem articulado da filmografia de Villeneuve até hoje.

Todavia, há coisas que vão além de um bom exercício de produção. ‘Duna: Parte Dois’ também é assertivo nos signos que compõem seu universo. Enquanto no primeiro filme o que se viu foi uma visão maior do diretor, o que de certa forma eliminou lacunas a serem preenchidas por pequenas referências à obra original como se esta fosse, mais do que tudo, uma versão essencialmente autoral, no segundo, chama a atenção o corpo do livro como parte integrante do texto — você vê, puramente, uma diversidade maior de coisas bastante curiosas que vão desde objetos, figurinos, cenários até novos personagens. É uma prova da articulação planejada para que este seja o filme que reconquistará quem amou ou odiou o filme de 2021.

Mas não se engane: em nenhum momento ‘Duna’, ambos longas já lançados, pretende compreender uma fidelidade. E tampouco deveria. O próprio roteiro tenta, por exemplo, desviar-se de alguns pontos que podem soar muito próximos do material de origem, e que poderiam atrasar toda a construção que é gerenciada em um tempo relativamente justo e adequado considerando o formato da obra. O que decorre do foco no desenvolvimento de personagem é a mais pura combustão entre a adaptação literária e a formalização do texto no cinema. Nesse sentido, o trabalho segue uma linha básica, em que causa e consequência se chocam com motivação e reação.

Como a profecia de Paul Atreides sendo alimentada pelo seu entorno, que culmina efetivamente numa adesão messiânica dele que, por incrível que pareça, é bem liderada por Timothée Chalamet. É inegável que o ator está finalmente situado naquilo que deve fazer. O mesmo ocorre com Chani, personagem de Zendaya, que não só tem presença na tela, mas também tem ações importantes no ritmo da trama, ainda que falte maior intensidade ao seu romance com Chalamet, que fica longe de atingir um clímax tão sensual quanto foi a excitante passagem de Austin Butler na pele de Feyd-Rautha Harkonnen. Dos vários momentos em que a palavra épico se consolidou com maior firmeza neste filme, o duelo entre Feyd-Rautha e Paul Atreides é sem dúvida o mais interessante. Não só porque responde às críticas de que Villeneuve não sabe filmar cenas de ação, mas porque tem o símbolo da masculinidade — essencial no ato de atrair um público maior — em seus limites mais tardios possíveis.

Quanto aos limites, ‘Duna: Parte Dois’ parece ir além da medida. Se por um lado isso é o acerto — dada a monotonia de que muitos acusam o primeiro filme —, por outro, também é o erro. Acontece que ao adotar essa perspectiva de um blockbuster acessível em que tudo deve acontecer visando ao rápido tempo de absorção do público, o diretor torna a planificar as suas objeções. É como se fosse possível visualizar em alguns momentos a ansiedade da produção em incitar a angústia, como na trilha de Hans Zimmer que parece arrombar as portas do cinema para ampliar o que Villeneuve escolheu diminuir. E se essa é a forma mais específica de transmitir o impacto da obra, pelo menos fosse feita com maior delicadeza, algo que o primeiro filme teve grande sucesso em fazer. Aqui, a imensidão temática, técnica, textual e linguística se combinam para dar um ar de grandiosidade, e como nada no cinema é definitivo, isso até funciona: ‘Duna: Parte Dois’ é, apesar de tudo, um épico inegável.