Vencedor do prêmio principal do festival Doclisboa, ‘918 Nights’ retrata a prisão política da cineasta Arantza Santesteban enquanto aborda de maneira experimental temas como a liberdade, o existencialismo, a saúde mental no aprisionamento e o papel do indivíduo na sociedade. Presa por fazer parte de um partido pró-independência esquerdista que foi declarado ilegal pelo tribunal Espanhol, Santesteban reconstitui a trajetória da sua encarceração através dos sessenta minutos de duração de seu documentário. O filme começa com ela dentro de um carro relatando os acontecimentos do dia em que foi presa. Ela conta como todo aquele partido já havia sido perseguido e monitorado pela polícia por algum tempo, mostrando que aquilo que aconteceu não foi uma obra do acaso, mas sim uma maneira de opressão política. Em seguida, temos acesso a documentos com detalhes dos motivos de sua prisão. Santesteban conta tudo o que lhe foi dito no momento em que foi levada ao tribunal como se tudo não passasse de uma memória recente. Talvez porque seja isso que ela tente se convencer diariamente, que tudo aquilo não passa de um fragmento do passado.
Santesteban consegue distanciar a vida na prisão da vida real, como se os dois fossem partes de mundos completamente diferentes. A memória da liberdade era vista como uma fraqueza. Ela tinha que aceitar que estava passando por aquilo em busca de algo maior: a possibilidade de se manifestar politicamente. Sucumbir à opressão imposta nela e nos outros membros do partido não era tido como uma opção viável, então tudo o que lhe restava era se distanciar do conceito real de liberdade. Ela passa a se importar apenas com o que acontecia dentro daqueles muros, como se aquilo fosse tudo que ela conhecesse. Ela relata sobre as relações que tinha lá, seja sexualmente com um dos detentos ou social com as suas colegas de cela. Embora ela conseguisse se sustentar mediante as adversidades, ela conta a história de uma outra detenta que não conseguiu. Os detalhes sobre a desestabilização mental sofrida por Rasha mostram como algumas pessoas simplesmente não conseguem sobreviver aquele tipo de vida, o que trazia um peso muito maior para Santesteban.
Fora da cadeia, a vida não voltou ao que era antes. Santesteban divide sua vida entre o antes e o depois do encarceramento. De volta para sua vizinhança, ela era tido como um tipo de heroína – título que ela abomina. Uma simples ida ao mercado era como um lembrete de tudo o que ela suportou durante aqueles anos. A sua única alternativa foi fugir. Ela se mudou para Berlim, em busca de uma vida anônima novamente. Mas ao chegar lá, fez amizades que decidiram incentivá-la a fazer um filme sobre sua história.
A construção do documentário não é linear. Enquanto assistimos a Santesteban contando sua história, algumas vezes somos interrompidos por um assunto ou sequência completamente diferentes do tema que está sendo abordado. Após relatos sobre sua vida sexual, nos deparamos com uma cena de sexo lesbico explicito de um casal que não possui qualquer conexão com a história. Em outro momento, a história da sua saída da prisão é interrompida por uma sequência em uma pista de dança de boate. É como se Santesteban quisesse dissociar o espectador da sua história. Ela desconstrói a linha narrativa do mesmo jeito em que a sua vida foi desconstruída pelo aprisionamento. É uma escolha que torna toda a experiência algo mais desafiador, mas que também faz com que o resultado final seja mais estrondoso.
O final do filme não passa de uma representação metafórica de uma história contada ao longo do documentário. Santesteban, que muitas vezes se viu sozinha e imponente, agora tem a chance de ajudar outras pessoas a acharem o seu caminho.