“Trenque Lauquen”, novo filme de Laura Citarella, não é nada menos do que uma experiência épica. Dividido em duas partes e em doze capítulos, o filme com duração de quatro horas é uma jornada em busca do desconhecido. O longa começa com dois homens, Ezequiel e Rafael, que estão procurando Laura, a peça principal desse quebra cabeça. Enquanto um é o quase-noivo dela, o outro é apenas um colega de trabalho. Nós conhecemos Laura pelos olhos deles. Para Ezequiel, seu colega de trabalho, ela era uma mulher curiosa e peculiar, obcecada pela história de uma professora substituta que trocava cartas com um homem através de livros na biblioteca. Já para Rafael, Laura era sua companheira. Os dois moravam juntos e estavam prestes a se casar. Mas de uma hora pra outra, ela confidencia que iria sumir. Os dois são apaixonados por ela, mas um não deixa o outro saber disso.
O filme que se passa em Trenque Lauquen, uma pequena cidade da Argentina, cria um mistério ao redor da história de Laura. Muitos aspectos do trabalho de Citarella remetem a Twin Peaks, não apenas pelo fato da fonte do mistério de ambas as histórias serem chamadas Laura, mas sim pela construção ao redor das duas figuras. Tanto em Twin Peaks quanto aqui, a imagem de Laura é construída dos depoimentos e versões de terceiros. Nós temos apenas um raso conhecimento de quem ela é, do que ela faz e do que ela deseja. O uso da música, assim como Twin Peaks, é usado para acentuar ou criar os sentimentos. Mas comparar o trabalho de Citarella com uma obra americana parece diminuir o valor artístico do seu trabalho, que é explicitamente autoral. A diretora consegue deixar uma marca característica tão ressonante que acaba tornando o filme em um dos trabalhos mais ambiciosos do ano. É o tipo de passion project que um diretor passa anos trabalhando em cima, e o resultado aqui não poderia ser melhor. Toda a ambição de Citarella não parece arrogante e prepotente, mas sim apaixonada. O filme é calmo nos detalhes, mas nunca se torna monótono ou distante por causa deles, pelo contrário, só convence o espectador de todo o empenho na construção de sua história.
O roteiro escrito por Citarella em colaboração com Laura Parede (que também interpreta a personagem principal do filme) aborda várias questões ao longo de suas quatro horas de duração, cada uma com uma distinção narrativa diferente da outra. Uma hora o filme possui aspectos adeptos da literatura, em outra aborda os temas com um toque de realismo, na outra explora a ficção científica de uma maneira intoxicante, tudo isso sem, em momento algum, soar desorientado. Embora não dê respostas fáceis, o filme não é confuso ou inacessível. O roteiro sabe em quais momentos a conclusão é necessária e em qual momento a ambiguidade serve melhor, o que torna o trabalho multifacetado de Citarella e Parede um dos aspectos mais empolgantes do filme.
O tempo que Citarella dá para os personagens se desenvolverem e para a história respirar faz com que o seu trabalho seja um exercício de paciência. Não por causa do seu ritmo – que não poderia ser melhor – mas sim pelo tempo que ela pede que você dedique para aquele mundo que ela criou. Ela nos convida para conhecer a história de todos os seus personagens, de maneira que faz com que a gente entenda todas as características da sua narrativa. A construção de Laura é uma das mais ricas e complexas do ano. Depois que Citarella nos mostra como ela era pela visão dos outros, ela decide nos mostrar a sua versão da história. Laura é tudo que se pode ser. Confusa, contraditória, curiosa, apaixonada, sensível, carente e muito mais. Não existem palavras suficientes para descrever o quão imensa a sua personalidade realmente é, tanto que mesmo com todo o tempo do mundo, Citarella não é capaz de nos dar uma versão simples do que se passa com ela.
Todo o mistério ao redor da personagem pode não ser concluído da forma mais satisfatória possível, mas Citarella não quer que ele seja. Toda a construção feita por ela não poderia ter um fim diferente. Laura é impossível de resumir, dar um fim a sua história de uma maneira mais modesta seria impedir que a sua história fosse contada. O último capítulo do filme é enigmático, incoerente e magnificente, mas a diretora abraça todas essas características, por mais indecifráveis que pareçam.