Saltburn

Avaliação: 3 de 5.

Dando sequência ao que vem se tornando uma filmografia prestigiada tanto pelo público, quanto pela crítica, Emerald Fennell entrega seu segundo longa ‘Saltburn’. O filme se trata de um suspense dramático que caminha entre muitos rumos tortuosos e sem muita direção, chegando ao espectador como um romance LGBTQIA+. Para entusiastas do gênero, à primeira vista, pode ser um prato cheio, com um protagonista talentoso e carismático, Barry Keoghan, e outro, um tanto quanto sensual e instigante: Jacob Elordi, que tem se tornado uma figura conhecida por sua participação em ‘Euphoria’ além do seu papel de destaque no cinema por ‘Priscilla’ (2023).

Entre trocas de olhares, edits praticamente prontas de um possível casal gay e muitas poses que evidenciam os melhores ângulos do rostinho do momento, o filme se preocupa mais em narrar um jogo de sedução do que os desdobramentos desse romance. Tudo se inicia quando o personagem de Keoghan se aproxima de Felix (Jacob Elordi), um jovem popular e rico na universidade de Oxford, da qual Oliver recebeu uma bolsa de estudos. No segundo ato, o filme começa a dar sinais de toda a vigarice da trama, quando ao ser convidado para passar as férias em Saltburn — uma propriedade escandalosamente luxuosa que pertence à família aristocrata inglesa de Félix — Oliver encontra uma oportunidade de se estabelecer e se infiltrar no ambiente como uma espécie de vírus.

Sendo assim, algumas contradições começam a surgir por parte do até então mocinho e pobre coitado, que por sua vez passa a ter um comportamento estranho perante a família que acaba de lhe acolher, tentando seduzir de forma desenfreada todos que habitam aquele lugar. No então, a trama vai de um ‘Heartstopper’ universitário para uma espécie ocidental de ‘Parasita’ (2019), uma vez que convenções sociais contraditórias daquele ambiente da elite começam a ser evidenciadas pela brilhante e irônica performance de Rosamund Pike, na trama, mãe de Félix. Após o texto embalar e cativar o espectador para ver como esse ‘Vai Que Cola’ da Inglaterra vai terminar, ficam perceptíveis dois problemas fundamentais que comprometem o resultado da obra. O primeiro, um roteiro que subestima seu espectador e, o segundo, um ritmo problemático nos desdobramentos finais.

Com uma boa ideia em mãos e ótimas referências-chave como o emblemático ‘Segundas Intenções’ (1999), Emerald Fennell seguiu em busca de emplacar mais um sucesso na sua filmografia após vencer um Oscar por ‘Promising Young Woman’ (2020). Ao comparar as duas obras em nuances de evolução, fica clara a sobreposição de ‘Saltburn’ em relação à anterior quando se trata de direção e aspectos visuais. Isso porque encontramos nesse filme uma maior riqueza nas maneiras de dizer através das lentes da câmera, bem como uso de cores, luz e sombra e até mesmo do ambiente, trazendo camadas de sentido na composição de um mise-én-scene digno de elogios. Apesar disso, não houve o mesmo cuidado e polidez com o roteiro, que numa tentativa de criar uma comédia ácida acaba acertando em um filme de streaming qualquer com protagonistas atraentes, mas com poucas coisas para dizer e muitas para admirar visualmente.

Sem muito desenvolver a persona corrupta e intragável de Oliver, trazendo um punhado de mentiras e um sofrimento superficial do personagem, o roteiro faz duvidar se ele realmente teve grandes motivos para tamanho esforço em determinar o fim de uma família, ou se ele era apenas um psicopata obcecado. Nesse caso, os dois problemas apontados anteriormente devem ser retomados, uma vez que existe nesse momento da história uma pressa em desenvolver as traquinagens do protagonista ao mesmo tempo em que se subentende que o público não está entendendo o plot twist que luta para se estabelecer. Uma vez que as mentiras de Oliver vêm à tona e o personagem fica sem rumo, seguido da sucessão de mortes de todos os integrantes da família nos pouco mais de 30 minutos finais, fica óbvio que o agente por trás desses acontecimentos só poderia ser um, e não estamos falando de Deus. Mesmo assim, Fennell achou de bom tom adicionar uma sequência final explicando tim tim por tim tim de como Oliver realizou todas aquelas peripécias.

Nesse sentido, quando o plot twist já é digerido lá pela primeira hora de filme, o que nos resta são as cenas de estranheza e de desconforto oferecidas em uma bandeja polida de prata. Tal recurso narrativo pode ser considerado de grande acerto, pois conquistou dois objetivos: o de trazer um pouco mais de profundidade à obsessão de Oliver em dominar aquele espaço (e talvez ao Félix); e criar momentos memoráveis a serem comentados no final da sessão. É impossível deixar de lembrar do clima sarcástico e a forma como a família de Saltburn lida com a morte no geral, seja da prima Pamela (Carey Mulligan) que é vista como piada, ou da morte de Felix que ocasiona uma sequência arrepiante durante o almoço, se tornando uma verdadeira prova de resistência no estilo idgaf war (guerra do foda-se). Além disso, são notáveis as construções um tanto quanto lúdicas de momentos que causam certa repulsa, mas com um cuidado estético impecável. Como exemplo temos a famosa cena da banheira e a cena em que Keoghan exibe sua bunda perfeitamente bem-posicionada sob as lentes e transa com um caixão, já que seu personagem não pode fazer isso com o seu amado em vida.

Mesmo com essas questões conflitantes que comprometem em partes a experiência com o filme, a sensação de cumprimento do papel com o entretenimento pode ser sentida no final, trazendo um elenco funcional, mas com certa distância em parecer natural em cena entre seus integrantes. Jacob, por sua vez, utiliza muito mais do seu charme natural e beleza para se posicionar em cena ao lado de grandes atores de fato, como Barry Keoghan, Rosamund Pike e até mesmo Richard E. Grant. Além disso, a sensação de ser um pouco mais sério do que precisaria permanece, dando um gostinho de quero mais dos momentos mais bizarros de Oliver.

O filme teria seu álibi nos mostrando o que realmente se passava na cabeça tortuosa do protagonista, ou se aprofundando na paixão obsessiva do personagem, pois foi apenas isso que restou para o espectador especular entre todas as obviedades jogadas em nossa cara. Faltou um pouco de jogo de cintura da parte do roteiro nesse sentido, jogo esse muito presente na sequência final de nu frontal do protagonista, com direito a dancinha pelos corredores do palácio, agora completamente tomado pelo vigarista que fez isso sem nenhum esforço, assim como o filme se vendeu para as pessoas nas redes sociais: safado, extravagante e canastrão.