Poor Things

Avaliação: 5 de 5.

O novo filme de Yorgos Lanthimos, inspirado na obra literária homônima, destaca a humanidade da mulher de maneira original e engraçada, apresentando-se como sua produção mais ambiciosa e controversa até o momento.

É crucial suspender a crença na realidade para explorar os nuances da moralidade que o filme busca examinar, e desde o início, “Pobres Criaturas” evidencia a presença da estilização e do surrealismo em seus 141 minutos. Mais do que uma simples análise, parece ser um confronto. À moda de Lanthimos, o filme não hesita em mostrar cenas gráficas de sexo e violência para transmitir suas mensagens.

O ponto de partida é o mesmo da protagonista Bella Baxter: pouco se sabe sobre esse mundo fictício. Gradualmente, o espectador é introduzido a novas informações sobre o ambiente, especialmente Lisboa, que nunca pareceu tão viva e diversa como na película. O contraste entre cenas em preto e branco e cenas coloridas serve a propósitos diversos, auxiliando o espectador a distinguir o passado do presente. Emma Stone oferece uma performance ousada e complexa, sendo esta a mais arriscada de sua carreira. Ela equilibra com maestria os tons cômicos e dramáticos de sua personagem, convencendo-nos de que um transplante de cérebro é totalmente possível.

O filme, assim como o pai-criador de Bella, é analítico. Através de lentes fisheye em diálogos, ambientes internos e paisagens, somos convidados (ou até mesmo obrigados) a analisar o desenvolvimento de Bella à medida que ela descobre esse mundo e, ao mesmo tempo, a si mesma. Seus limites são testados a cada nova interação e introdução de novos personagens. Como uma criança, uma de suas primeiras descobertas é o prazer de se alimentar, rejeitando o que a repugna e saboreando o que a agrada. Ela também experimenta a masturbação e, por fim, o sexo.

Embora as cenas de sexo sejam perturbadoras, a manipulação exercida por personagens mais inteligentes e experientes sobre Bella pode fazê-las parecer gratuitas para alguns espectadores. Orgulhosamente subversivas, nojentas e desprovidas de sutileza, essas tais cenas de sexo acabam brilhando devido ao seu tom animalesco e absurdo. Por trás delas, sempre há um elemento de evolução para a personagem, sendo um dos notáveis feitos da direção de Lanthimos, da trilha sonora de Jerskin Fendrix e edição de Yorgos Mavropsaridis.

Quando uma mulher escolhe dialogar com Bella pela primeira vez, o sexo deixa de ser mero objeto de sua curiosidade, revelando a protagonista como vulnerável e disposta a compreender seus papéis de gênero. Além disso, o personagem patético e hilário de Duncan, interpretado por Mark Ruffalo, vai além de seu propósito inicial na trama, transformando-se em um coitado e suscitando questões sobre quem está se aproveitando de quem. Assim, o filme nos instiga a refletir sobre a importância do consentimento e até que ponto ele deixa de ser relevante, enfatizando que tais perguntas não possuem respostas absolutas.

Ao ser confrontada pela sombria realidade de seu mundo, Bella utiliza sua própria ingenuidade para avançar em sua jornada. As dinâmicas sociais do trabalho, para ela, não fazem sentido, já que sua mente não se encaixa sistematicamente no contexto capitalista. A ideia de prostituir-se parece inicialmente uma relação de benefício mútuo. No arco mais absurdo do filme, Bella encontra poder em situações degradantes pela capacidade de analisar o ser humano, percebendo que seu papel como mulher é mais multidimensional do que imaginava, dentro das limitações sociais impostas. Neste ato, desembarcamos em Paris, onde a fotografia da cidade é curiosamente menos explorada do que a de outras cidades, exibindo o extraordinário design de produção e intensificando ainda mais a tensão na trilha sonora. Nessa fase do filme, a habilidade de Bella de não se conformar é desafiada pelo desejo de retornar para seu criador e, finalmente, casar-se.

No último ato, o descobrimento de sua origem se entrelaça à introdução de um novo homem em sua vida. Liberdade e sufocamento são as considerações finais que o filme nos incita a fazer, concluindo que enquanto a liberdade for uma escolha, ela sempre será a escolha certa a ser feita, assim como para Bella, não existem respostas definitivas para essa questão. Seguindo o padrão Lanthimos de não responder às próprias perguntas, “Pobres Criaturas” tem apenas uma certeza: a moralidade é pautada pelas relações interpessoais e com o mundo, mas interpretada pelo indivíduo.