Um dos filmes mais polêmicos do ano, “Benedetta” de Paul Verhoeven é audacioso, ardente e irritável. O filme de Verhoeven enfrenta uma tempestade de críticas por ser apelativo e blasfêmico. O longa explora a vida de Benedetta Carlini (Virginie Efira), uma menina que decide usar de sua fé cristã para se tornar uma freira. A jovem é um verdadeiro destaque, ela desperta atenção por aparentemente ser protegida pelas forças superiores, conseguindo se safar de situações que pareçam ameaçadoras. Enquanto cresce, Benedetta se mostra promissora, cada vez mais entregue a serviço de sua fé. Com seu despertar sexual aprisionado, a freira que se dedicava tanto ao amor à figura de Jesus, tem sua mente assombrada por sonhos eróticos, onde finalmente se entrega aos desejos sexuais que tanto reprimia. Não é apenas a freira que é assombrada, o próprio filme se torna um verdadeiro assombro. “Benedetta” parece ter vida própria, e sem dúvidas, é um causador de problemas exatamente como o clássico do erotismo “The Devils (1971)” de Ken Russell, que utiliza das figuras religiosas para criticar as construções sociais, o abuso de poder e escrachar a repressão sexual. Diferente da incontrolável extremidade de “The Devils“, a direção e roteiro de “Benedetta” acerta em ser mais sútil em lidar com a libertação da sexualidade feminina, utilizando do artifício do sonho como licença poética e surrealista para expressar a luxúria de Efira, que está completamente entregue à sua protagonista.
No momento em que Bartolomea (Daphne Patakia) chega ao convento, Benedetta passa a ter os seus sonhos impuros com bem mais intensidade, sendo claramente frutos de sua atração sexual pela jovem. A protagonista acaba misteriosamente doente, cada vez mais debilitada por uma inexplicável doença, que até então, a causava apenas alucinações sujas e eróticas com Jesus Cristo. De forma incrível, as alucinações de Benedetta passam a afetar a realidade, fazendo a jovem se render à libertinagem e por fim, se envolver com Bartolomea. Em meio a uma epidemia, a freira aparenta se tornar um verdadeiro corpo de Cristo e isso não poderia ficar mais interessante, principalmente quando o filme ganha um ar político com a presença de Charlotte Rampling que entrega uma misteriosa abadessa, uma das melhores interpretações do filme, que ajuda a tornar o longa cada vez mais provocante.
Os atos do filme apontam para um verdadeiro mistério, afinal, você se encontra em uma saia justa – onde as palavras de Benedetta soam teoricamente verídicas, visto que elas refletem em seu corpo. É incrivelmente interessante, pois se torna perceptível que Benedetta é um filme religioso como qualquer outro, afinal, é um filme sobre crenças e ficamos tão envolvidos com as palavras pregadas por Benedetta, que ela se torna a nossa figura de Jesus. No final, o filme entrega uma bela e inteligente crítica ao misticismo religioso, que inclusive, acabamos sendo vítimas dentro do próprio filme. O fato é que se torna impossível não torcer pela Benedetta, diferente do seu romance com Bartolomea, que mesmo com as tentadoras e provocantes cenas de sexo, existe uma superficialidade na conexão com o casal. Verhoeven insiste na relação das duas, o que me incomodou um pouco, mas não atrapalhou na experiência que foi obtida com o filme. É um filme corajoso e que ganha vida através da luxúria. Está entre os melhores do ano, com muita facilidade.