7º Festival Ecrã

O Festival Ecrã, dedicado ao cinema experimental, celebrou sua sétima edição neste ano, apresentando uma programação diversificada em formatos presenciais e online. Com o objetivo de trazer obras vanguardistas que redefinem o conceito de cinema, a seleção do festival inclui trabalhos originais de renomados diretores, como James Benning, bem como de diretores estreantes que encontram no evento uma oportunidade de destacar seus projetos. O festival se destaca como uma plataforma para a exibição e a descoberta de filmes inovadores e provocativos. Ao selecionar trabalhos originais e fora dos padrões convencionais, o festival busca estimular a experimentação e a liberdade criativa no cinema. Através de suas mostras presenciais e online, o Ecrã alcança um público diversificado, composto por cinéfilos, profissionais da indústria cinematográfica e entusiastas do cinema experimental.

‘Against Time’, o novo curta-metragem de Ben Russell, traz toda a complexidade narrativa e estrutural presente nos melhores projetos experimentais. A maneira como Russell intercala suas interpretações de temas como renovação, nascimento e formação do eu é sempre intrigante. A sobreposição de imagens funciona como uma mescla entre as diferentes narrativas abordadas por Russell em seu curta, especialmente na cena em que vemos os movimentos de um bebê enquanto atravessamos um túnel. Essa cena suscita diversos questionamentos sobre a evolução humana e o rompimento da infância causado pelo contato com o mundo exterior.

Dentre os filmes selecionados para a etapa online do festival, ‘RGNCNTRL’, dirigido por Alvin Santoro, se destaca como aquele que exige mais do espectador. Ao contrário de filmes enigmáticos que levam a resoluções equivocadas, o filme de Santoro demanda mais paciência do que compreensão, por assim dizer. Inspirado no clássico ‘La Région Centrale’ de Michael Snow, o filme explora a paisagem do jogo Red Dead Redemption 2. As imagens capturadas em ‘RGNCNTRL’ são compostas pelo estudo das superfícies através do deserto do mapa, que percorre a tela durante toda a sua exibição, com exceção dos últimos trinta segundos. Essa premissa simples, em um primeiro momento, pode afastar qualquer vestígio de interesse por parte do espectador, mas, assim como na maioria dos filmes experimentais, é por meio da repetição que ele se torna envolvente. Apesar da aparente monotonicidade das imagens, é necessário reconhecer o comprometimento de Santoro com sua ideia, especialmente quando o resultado é uma das experiências mais singulares que alguém pode vivenciar em um festival como esses.

‘Ponto Cego’, filme de Aloísio Corrêa oferece uma experiência imersiva em Guadalajara, cidade do México. Com uma duração de quarenta minutos, o filme coloca o espectador na posição de estrangeiro nesse país, onde a cultura local nunca é completamente compreendida. Ao longo da viagem retratada, Corrêa se deixa envolver pelos acontecimentos ao seu redor, assumindo também o papel de observador. Essa dualidade entre ser diretor e espectador se torna ainda mais evidente em uma apresentação de rua realizada em uma praça da cidade, na qual quatro homens se penduram em cordas enquanto giram pelo ar, assemelhando-se a brinquedos de um parque de diversões, enquanto Corrêa os registra a certa distância.

Em ‘Enez’, filme de Emmanuel Piton, observar pacientemente algo deixar de existir é também um ato de compreensão. Nesse caso, somos convidados a testemunhar uma ilha cercada pelo mar que, em um futuro próximo, será inundada, levando consigo o que resta daquele lugar. Esse exercício de observação do mar traz à tona a questão de compreender toda a adversidade que o acompanha. Embora a imensidão visual do mar possa trazer um certo conforto, Piton constantemente nos lembra da dificuldade de escapar de algo que está sempre ao nosso redor.

Em um festival em que grande parte dos filmes se baseiam em suas imagens, desprovidos das narrativas formais às quais estamos acostumados, ‘SINFON14’, dirigido por Raúl Perrone, parece se destacar como o melhor deles. O filme de Perrone descarta qualquer tipo de linguagem convencional em sua execução, sendo evocado apenas por aquilo que vemos com nossos próprios olhos. A história se desenvolve em torno de uma viagem de aristocratas por lugares indefinidos, onde a carne é o único elemento relevante. A sedução e o desejo percorrem todo o filme, contagiam os personagens como um vírus ardente. Inúmeras cenas de sexo são reproduzidas, nas quais a beleza não se limita apenas aos corpos dos atores, mas também ao ambiente rústico e teatral em que se encontram. Conforme o filme avança, a libertinagem parece marcar ainda mais a história. A execução de Perrone pode se tornar indecifrável em alguns momentos, mas é justamente esse aspecto elusivo, a forma como ele enquadra sua narrativa, que torna tudo tão singular e cativante.

Em “Das Retirée” (ou “A Última Casa do Meu Pai”), a artista alemã Julie Pfleiderer entrevista seu próprio pai, o arquiteto Karlhans Pfleiderer, enquanto ele projeta aquela que seria a sua casa dos sonhos. Além dos momentos mais pessoais compartilhados entre os dois, nos quais questões como a hereditariedade do conhecimento e ressentimentos do passado se tornam evidentes, o filme também busca compreender como um indivíduo se relaciona com o seu entorno. A abordagem de Pfleiderer é delicada, transmitindo ternura mesmo nos questionamentos mais difíceis que uma filha pode fazer ao seu pai, o que destaca a humanidade presente em seu trabalho. Ela compreende que o ser humano, em sua essência, é composto por contradições, portanto, é natural que seu filme também esteja repleto de momentos assim.

‘ALLENSWORTH’, dirigido por James Benning, apresenta todas as características marcantes dos trabalhos anteriores do diretor. Benning filma a cidade de Allensworth, na Califórnia, com um olhar contemplativo, questionando toda a história do lugar por meio de seus planos estáticos. Na ausência de uma linguagem convencional, esses planos se comunicam com o espectador através de uma evocação de memória que não possuímos. É contraditório sentir que se conhece um lugar mesmo sem ter qualquer informação sobre ele, mas o cinema de Benning está repleto de momentos e reflexões como esse. A cidade de Allensworth, conhecida por ser a primeira cidade fundada e governada por negros como uma forma de escapar das leis de Jim Crow, já não existe mais. O que vemos durante o filme são apenas vestígios do que restou de um lugar que, para muitos, era sinônimo de segurança e pertencimento.

Outro trabalho que também explora lugares marcantes na vida de muitos é o curta ‘Growing Up Absurd’, dirigido por Ben Balcom e Julie Niemi. Através de entrevistas com ex-membros do Colégio de Tolstoy, uma comunidade educacional anarquista localizada na Universidade de Buffalo, o filme relembra os dias de intensos debates políticos e sociais que dominaram o local. Há um humor implícito tanto no título do filme quanto nos relatos dos ex-membros do grupo, que retratam seus dias como pseudoanarquistas de forma descontraída e sem indulgências. É interessante observar em ambos os filmes como o sentimento de pertencimento a um grupo é capaz de transformar e marcar a vida de tantas pessoas, pois, no final das contas, todos desejamos fazer parte de algo maior.

Entre os filmes nacionais, dois chamaram bastante atenção. ‘Espaço Liminar’, dirigido por Gabriel Papaléo, é uma obra ambiciosa e híbrida, onde sua narrativa fragmentada permite que Papaléo explore diversas formas de expressão. Ao longo dos sessenta e cinco minutos de duração, o filme transita por diferentes gêneros, sendo o romance entre Miguel e Isis o que soa mais genuíno. No entanto, seja na ficção científica ou no suspense dos primeiros minutos, o aspecto visual do filme é o mais expressivo.

Já em ‘A Função de Outono’, dirigido por Alcimar Veríssimo, também é retratada uma história de amor, mas nesse caso o diretor prefere abordar poeticamente o fim desse relacionamento. Desde os primeiros momentos do filme, já sabemos o destino dessa história, um amor condenado ao término. Veríssimo trabalha com as lembranças desse relacionamento e de tudo que ele representou para as pessoas envolvidas, de maneira que os momentos retratados pelo diretor parecem invasivos, de certa forma. O filme se sustenta na nostalgia do passado, deixando o futuro dessas pessoas em um aspecto não explorado. Talvez seja na contemplação que os momentos mais singelos que vivenciamos se tornem mais evidentes.

Apesar de ser repleto de momentos sensíveis, como a sequência em que a música “Honeymoon” de Lana Del Rey se torna uma força motriz para a narrativa, ‘The Blue Rose of Forgetfulness’ parece ser um produto destinado àqueles que possuem um maior apreço pelo trabalho de Lewis Klahr. Não há dúvidas quanto à excelência do diretor na criação de imagens, visto que ele é visivelmente capaz de construir planos e imagens magníficos. No entanto, há uma falta de substância nas histórias que são contadas, que resulta em uma falta de conteúdo impossível de ignorar. Ao contrário de muitos filmes apresentados no festival, as imagens apresentadas aqui não são suficientes para justificar a impenetrabilidade do trabalho de Klahr.

É bastante comum que as palavras tenham seus significados e ideias distorcidas quando tentamos nos comunicar à distância. No filme “Didier’s Letters”, a diretora Noëlle Pujol demonstra uma forma única de desconstrução da linguagem. Através da encenação livre de 149 cartas, Pujol conta, de maneira peculiar, as declarações de amor feitas por Didier, seu irmão. Ao longo dos sessenta e seis minutos de interpretação, os atores cantam, dançam e tocam flauta enquanto declamam as mensagens de amor e lembrança. Apesar da natureza pessoal dessas cartas, Pujol busca desconstruir ao máximo a ideia de intimidade, distanciando-se da expectativa de que seus sentimentos sejam plenamente compreendidos pelo espectador. Enquanto os afetos de Didier são claros – graças às repetições de suas proclamações de amor -, os sentimentos de Noëlle permanecem como uma incógnita. No filme, não há nenhuma resposta da diretora ao irmão. No entanto, mesmo com toda essa distância, compreendemos perfeitamente o que aquelas palavras querem dizer, porque, nesse caso, todos os sentimentos estão naquilo que não é propriamente dito, e essa é a beleza da história.