Muito se fala sobre diretores que passam anos se dedicando a algum tipo de projeto pessoal, seja sobre a própria existência ou sobre algo com qual eles são familiarizados, mas quando questionamos esse termo na sua essência, o que torna um trabalho em algo realmente pessoal? A maneira com que o diretor aborda a história ou o que ela representa? No caso de ‘In Water’, novo filme de Hong Sang-soo, a individualidade do seu trabalho se dá pela maneira com que ele decide traduzir sua visão para o cinema. O filme que acompanha Seoung-mo, um jovem ator que decide financiar e dirigir um curta, mostra uma visão muito singular de um diretor que é conhecido por realizar projetos minimalistas sobre questões do cotidiano.
Nenhum projeto de Hong parece ser ambicioso suficiente ao ponto de transformar a estrutura dos seus trabalhos em algo viciosamente calculado, pelo contrário, todas as histórias que o diretor decide contar parecem ser atrativas pela espontaneidade e verdade com que ele lida em narrativas sobre pessoas comuns. Questões que parecem se repetidas nos trabalhos de Hong são a maneira com que os indivíduos se relacionam, não somente entre si, mas também entre o cinema. Filmes como “On the Beach at Night Alone” e “The Novelist’s Film” mostram como o diretor lida com os tópicos que envolvem tudo que o cinema pode representar para aqueles que decidem fazer dessa arte parte da sua vida. Em ‘In Water’ isso não é diferente.
“In Water” é um filme destinado a dividir até o público mais fiel de Hong, claro que não pela sua simplicidade — já que essa é talvez a característica mais admirável do diretor — mas sim pela maneira com que ele decide ilustrar a sua história. Hong, que vem lidando com problemas de visão desde as filmagens de “Virgin Stripped Bare by Her Bachelors”, decide transformar a sua experiência em algo mais relacionável através da falta de foco que acompanha grande parte do filme. O desfoque presente na grande maioria das cenas é uma ferramenta que, embora inconsistente, serve como uma grande maneira de trazer compreensão, senão pela indulgência que ela requer, pela singularidade de encará-la. É a abordagem mais experimental do diretor nos últimos anos e, embora possa ser facilmente classificada como um artifício pretensioso por aqueles que não conseguem concordar com suas escolhas, faz com que seja um dos seus trabalhos mais notáveis.
Em um certo momento do filme, ao Seoung-mo tentar explicar a mentalidade do seu personagem e as motivações que o acompanham em seu curta, ele diz: “Você só vive uma vez, mas eu não sei por quê a vida tem que ser tão difícil”, dando uma melancolia a mais para toda a abordagem escolhida por Hong, que parece ter uma visão pessimista do seu próprio futuro. É nítido que ao trazer o desfoque como personagem principal de seu longa, Hong parece estar tentando se acostumar com a ideia de ser obrigado a se aposentar. Para um diretor que lança filmes com frequência, toda essa situação deve ser no mínimo angustiante, mas Hong parece não fugir do assunto, visto que já havia abordado esse tema em seu outro filme, “Introduction”.
Assistir a literalidade visual do trabalho de Hong em “In Water” me fez admirar a sua capacidade de fazer uma representação equivalente a sua enfermidade. A falta de foco — ou falta de visão — faz com que certas cenas do filme se tornem quase abstratas. Os rostos borrados desfazem o sentido básico de sentimentos e expressões, porque o que importa aqui não é aquilo que está acontecendo, mas sim o que não podemos ver. As ideias e diálogos apresentados por Hong são o foco principal do espectador, que tem de materializar tudo aquilo que parece fora de alcance. A linha que separa o real e a ficção também é borrada, talvez porque Hong não consegue admitir certos tipos de pensamentos que acompanham essa doença, mas isso não torna o resultado final de seu trabalho menos impactante. Não existe maneira fácil de traduzir alguns sentimentos para o cinema, mas com toda sua resiliência Hong consegue fazer com que o espectador se sinta na sua pele, por mais breve que essa experiência seja.