Qual é a intenção em assistir o sofrimento de Marilyn Monroe? Visto que o filme chegou a ser comparado ao filme “Paixão de Cristo (2003)” pelo crítico Richard Brody da The New Yorker, surge um questionamento. Quais eram os planos do diretor Andrew Dominik? E por que afetam à Ana de Armas?
Muitos dos fatos que são mostrados em “Blonde” sequer aconteceram, mas foram provocantes o suficiente para despertar inúmeras discussões sobre a biografia real de Marilyn Monroe e sobre a direção de Dominik. Numa pesquisa da Variety, muitos se referem ao filme como “um dos piores filmes já feitos“. Em seu artigo na Los Angeles Times, Justin Chang afirmou que: “Blonde não é sobre Marilyn Monroe. É sobre fazê-la sofrer.” Manohla Dargis concordou com Chang, na The New York Times se referiu ao filme como “entretenimento necrófilo e explorador“. O diretor de “Blonde” realmente extrapolou todos os limites? Ou, simplesmente, acabou provocando o surgimento de limites para novas biografias?
Com os críticos e produtores considerando o filme uma afronta à memória de Marilyn Monroe, a atriz Ana de Armas está sendo prejudicada na temporada de premiações, mesmo tendo sido aclamada pela interpretação. E é um sofrimento assistir uma ótima atuação ser prejudicada por conta do filme, ainda mais quando avaliamos a história recente das premiações, que tem reconhecido e premiado atuações medianas em filmes de qualidade duvidosa.

A atriz Ana de Armas entrega excelência e uma atuação arrebatadora em “Blonde”. Ela está longe de beirar às últimas bizarrices cartunescas que alcançaram o Oscar de atuação nos últimos anos, como Rami Malek com o péssimo “Bohemian Rhapsody” e Jessica Chastain com o imemorável “The Eyes of Tammy Faye”. É inegável que Ana incorpora o ícone loiro de forma poderosa, e chega até a assustar o quão dominante está em cena.
Estar parecido não é o único atributo para entregar uma interpretação biográfica. Outras atrizes que interpretaram Marilyn Monroe, não conseguiram fazer com o mesmo magnetismo de Ana. Em 2011, a atriz Michelle Williams interpretou uma Marilyn previsível em “My Week with Marilyn” o que a rendeu mais uma indicação ao Oscar. E sim, escrever sobre isso é tão sem graça quanto parece. Não existia um fervor em ver Williams ser indicada por esta interpretação plana, porque resumidamente, a história é contada a partir da visão entediante do suposto affair de Marilyn (interpretado por Eddie Redmayne). O filme não tem vida.

Por que tudo tem que ser tão previsível quando se trata sobre celebridades? Será que a ambição pela conquista do Oscar acaba impondo uma zona de conforto aos longas biográficos? O viés existencialista de “Blonde” é cativante. Quando que imaginaríamos ver Marilyn questionar-se sobre o sentido da vida? Claro que o sadismo de Dominik acaba sendo irritante, ainda mais para o público que jamais se acostumará com a ideia de ver um ídolo ter sua imagem manchada. Apesar disso, “Blonde” não está querendo sujar uma imagem.
Os excessos de Dominik estão querendo criticar o quão usada Marilyn foi. A objetificação que a prejudicou dentro da própria indústria. Os homens queriam um pedaço de Marilyn. Todos queriam uma semana com Marilyn. O fato é que ninguém parou para se perguntar o que Marilyn queria, e “Blonde” tornou isto ainda mais explicito, através do brilhantismo da presença de Ana de Armas.

Tendo em vista que “Blonde” não é um filme biográfico convencional e está longe de ser um filme fácil. E se as pessoas não estivessem preparadas para vê-lo? É complexo e poético demais para o público geral que tende a consumir normalidades. Observando que a corrida pelo Oscar envolve diversos fatores e o gosto do público tem sido fortemente levado em consideração pela Academia, é provável que “Blonde” passará longe dos olhos dos votantes, que tem fugido de polêmicas e dificilmente surpreendido a indústria com suas escolhas. Por mais polêmicos que filmes possam ser, os filmes provocativos são como uma injeção de entusiasmo numa indústria que tem sido previsível e entediante, principalmente quando se trata de filmes biográficos.
“Blonde” é um retrato controverso e artístico de um dos maiores nomes da indústria do cinema, e sim, isto o torna fascinante. O motivo de estarmos calados é evidente: o medo de nos tornarmos controversos. Acima de qualquer controvérsia em relação ao filme, devemos reconhecer que Ana de Armas entregou uma das melhores atuações do ano e deveria ser reconhecida por isto.