BARDO, Falsa Crônica de Algumas Verdades

Avaliação: 2.5 de 5.

Após um prolongado hiatos desde o lançamento do longa responsável por lhe garantir sua segunda vitória consecutiva na categoria de Melhor Diretor no Oscar e a primeira de DiCaprio em Melhor Ator, Alejandro Iñárritu volta a atrair a atenção dos holofotes da indústria do cinema para si com um projeto assumidamente pessoal e um tanto quanto provocante até certo ponto. Combinando o fantasioso com a dureza da realidade, em BARDO, Falsa Crônica de Algumas Verdades, o cineasta retira um tempo para destrinchar partes do próprio passado, ou neste caso, do de sua representação fictícia personificada por um jornalista que conquistou o melhor da vida que pode ser proporcionada no território dos Estados Unidos Mexicanos — uma nação prestes a concretizar sua unificação — e agora está retornando para sua terra natal afim de receber as honrarias que glorificam os seus principais feitos jornalísticos, enquanto passa a questionar a percepção que possuí em relação a verdade e mentira.

Silverio é como um bardo de um tempo há muito decorrido na Europa. Suas escolhas o levaram até esta posição em específico, de alguém que carrega uma grande responsabilidade no que diz respeito a transmissão de histórias, lendas e poemas, sempre de forma oral, podendo até mesmo contar com um pouco de musicalidade se assim for necessário. Contudo, quando o conhecemos, ele está longe ser o mesmo homem que deixou aquela terra para trás, pronto para desbravar o desconhecido com oportunidades frutíferas que é a nação vizinha. O jornalista está cercado por manipulações de uma politicagem da qual claramente não faz parte, embora pareça não notar, e busca sempre investir em uma postura que preza pela boa vizinhança, quase como se fosse um diplomata brincando de escrever verdades que, quando publicadas, passarão a ser lidas por milhares de pessoas.

Esta ilusão tanto o protege quanto o aliena, o mantendo em um estado de constante fuga dos verdadeiros problemas, como lidar com as dores provocadas por um filho que partiu deste mundo antes do esperado, e discussões que estão se acumulando aos montes sobre suas costas, seja devido aos amigos que abandonou no meio do caminho e que retornaram para assombrá-lo como velhos fantasmas ou até mesmo da própria família, como os pais. Dentre todos estes questionamentos levantados e acontecimentos que só passam a fazerem sentido nos minutos finais, BARDO não tarda a sinalizar que a única verdade que permanecerá constante durante toda esta jornada caótica e ambiciosa, esbanjando simbolismo a torto e a direito e até mesmo uma dose nada generosa de autoestima, é que este homem precisa encontrar resoluções para as questões que enterrou no passado antes que seja tarde demais.

Portanto, conhecemos o Silverio que é um produto de interesses e vontades que não necessariamente correspondem as suas, como aqueles que cruzam seu caminho fazem questão de lembrá-lo durante discussões acaloradas, e o Silverio que, em seu lento despertar de percepções, passa a buscar por esta chance de quebrar com esta imagem que passou a cercá-lo. O que o levou até aquele ponto foi de fato seu talento para dar espaço para estas verdades? Ou tudo não passa de uma ficção bem encenada pelos poderosos, interessados em mantê-lo a pela vista como um peão com capacidade para tecer histórias e mais histórias que alcançarão os ouvidos de milhares, um bardo moderno para tempos de unificação territorial? O protagonista, assim como Iñárritu neste texto que esbanja um tom exagerado de confissões que jamais foram declaradas em alto e bom tom antes, quer descobrir quem ele realmente é, quer lembrar para compreender o que existe entre esses dois estados de ser.

Em tempos de um cinema que segue rigorosamente uma cartilha burocrática pré-estabelecida durante as reuniões de portas fechadas de estúdios hollywoodianos, visando manter-se afastado ao máximo da tomada de decisões que levam aos riscos, BARDO desdenha deste tradicionalismo chato. Em um ato que reafirma sua autoestima quantas vezes for necessário, afinal este é um registro parcialmente biográfico do que levou seu autor até este ponto da vida que o permite ser apoiado na direção de algo tão inclinado a esta retomada de culpas não solucionadas, o longa adota uma abordagem ambiciosa quanto a forma como seguirá contando esta história. Se por um lado isso é bom por reviver aquela certeza de que ainda existem cineastas que apoiam um fazer cinema irrestrito em questão de execução, por outro não quer dizer que devemos ignorar quando alguém como Iñárritu demonstra tanta resistência quanto a abandonar velhos maneirismos e outros tantos excessos.

O longa segue um caminho que o aproxima do que foi feito em 8 ½, contudo, Iñárritu está longe de ser como Fellini era em sua época; ele é, na melhor utilização desta palavra, histriônico quando comparado ao diretor italiano. Sua insistência em manter certos excessos é tamanha que acaba por interferir negativamente na fluidez de determinados momentos tocantes, como um reencontro inesperado entre um pai e seu filho em um banheiro da casa de dança onde todos estavam reunidos para celebrarem os feitos conquistados por Silverio. Abarrotado de provocações, tanto para si mesmo quanto para aquele sistema que o tem cercado nesta escalada até alcançar o patamar de jornalista de renome, BARDO cai em sua própria armadilha, há muito o que pode ser dito sobre as muitas situações retratadas, mas pouco é verdadeiramente extraído de tudo o que está acontecendo.

Diante de tamanha ambição em ser um retrato diferente do que é comum, BARDO não consegue provocar tantas reações e sentimentos quanto gostaria, mas consegue manter-se alinhado a sensação de insatisfação, de querer mais para compreender as muitas camadas que compõem uma mente tão fascinante quanto a de Silverio. É verdade, tudo o que está acontecendo soa como um longo testamento e uma carta ainda maior escrita por alguém que está buscando por meios de se redimir com o próprio passado antes que seja tarde demais, contudo, Iñárritu ainda escolhe o que quer manter escondido, como se não estivesse preparado ou simplesmente não quisesse compartilhar, valendo-se então das muitas sensações que está sempre tentando evocar para explorá-las.