Recentemente as greves sindicais se tornaram um dos tópicos de maior evidência, e isso se deve, em grande parte, ao processo enfrentado pelos Sindicatos dos Roteiristas e dos Atores nos últimos meses. A atenção da mídia e do público tem se voltado para as questões trabalhistas e as lutas desses sindicatos, que desempenham um papel significativo no cenário do cinema atual. Essa não é a primeira vez que Hollywood enfrenta esse tipo de problema. Em 5 de novembro de 2007, o WGA (Writer’s Guild of America) deu início a uma greve que só teve fim no dia 12 de fevereiro de 2008. As principais motivações do sindicato foram questões relacionadas aos pagamentos e direitos dos roteiristas, nos quais eles procuravam obter uma compensação financeira mais justa referente aos royalties das vendas de DVDs de filmes e séries pelos quais eram responsáveis. Em 2023, a Rolling Stone publicou um artigo refletindo sobre o impacto que a greve dos roteiristas de 2007 teve na indústria do entretenimento, especialmente em grandes séries da época, como “Breaking Bad”, “The Office” e “Friday Night Lights”.
No cinema, a questão sindicalista foi abordada em diversos filmes. “Norma Rae”, dirigido por Martin Ritt, e “Silkwood”, dirigido por Mike Nichols, são alguns exemplos de trabalhos que exploraram o tema do ativismo social relacionado às condições de trabalho. Em “Norma Rae”, a personagem de mesmo nome, interpretada por Sally Field, é uma mãe solteira que trabalha em uma fábrica têxtil no Sul dos Estados Unidos. Ela leva uma vida simples até que Reuben Warshowsky, interpretado por Ron Leibman, a convence a se juntar à luta sindical. Em busca de melhores condições para os trabalhadores da fábrica, Norma decide organizar um sindicato entre seus colegas de profissão para que assim eles possam realizar uma greve. “Making Of”, novo projeto de Cédric Kahn que teve sua estreia no Festival de Veneza, também se passa em uma fábrica, mas seu enredo se desenvolve de uma maneira muito diferente do trabalho de Ritt.
No filme de Kahn, Simon (Denis Podalydès), um famoso diretor francês, enfrenta uma série de adversidades ao tentar concluir a filmagem de seu novo filme, que narra a história de um grupo de trabalhadores que lutam para evitar que a fábrica em que trabalham seja realocada. Todas esse complicações na produção do filme ocorrem porque, em uma versão não oficial do roteiro do filme que foi aprovada pelos produtores, no desfecho da história, os trabalhadores conseguem evitar a mudança da fábrica. Entretanto, esse não é o final desejado por Simon. Em sua versão, os trabalhadores perdem a greve e são forçados a desistir, o que provoca uma revolta em massa e a destruição das máquinas que estavam sendo utilizadas. Segundo os produtores, a versão de Simon seria muito desesperançosa, o que dificultaria a venda do filme. Portanto, Simon se sente pressionado a se adaptar à ideia de que ele não tem controle sobre o próprio trabalho. Além das questões financeiras que preocupam Simon, ele também está enfrentando um divórcio.
Apesar de tudo isso, Kahn não adota um tom sombrio para essa história; pelo contrário, parece ter conseguido alcançar o nível máximo de descontração possível para um filme como esse. A forma como ele aborda o tema trabalhista e a luta sindical possui uma acidez assertiva e com a medida certa de autocrítica. Afinal, “Making Of” é, principalmente, uma história sobre a indústria cinematográfica. É por meio de Joseph (Stefan Crepon), um figurante que aspira seguir carreira na indústria, que Kahn transforma seu filme em algo semelhante a “A Noite Americana”, filme de François Truffaut. Joseph é encarregado de trabalhar documentando toda a produção do filme, gravando desde entrevistas com o diretor até reuniões sobre os rumos das filmagens. Através dele, o filme também cria subtramas que exploram as relações entre os membros da equipe de filmagem. Embora seja evidente que Kahn não alcance a grandiosidade de Truffaut, isso não torna seu esforço menos admirável.
Embora tenha um bom pano de fundo social por trás de sua história, Kahn peca ao não desenvolver satisfatoriamente sua abordagem mais política. As questões relacionadas às condições de trabalho são brevemente abordadas no início do filme, quando alguns figurantes reclamam de frio e fome enquanto gravam uma cena na chuva, mas parecem deixadas de lado conforme a narrativa prossegue. O projeto, apesar de tratar de questões ligadas ao movimento sindicalista, não parece muito interessado no viés que envolve essa causa. Muito pouco é dito sobre a questão política por trás do ato de realizar uma greve, como se o filme evitasse um confronto direto com os tópicos que cercam esse ato. Kahn até cria um caminho para a discussão sobre a classe trabalhadora e a luta por direitos básicos, como uma remuneração justa, mas ele parece deixar isso de lado para se concentrar em um aspecto mais analítico da indústria cinematográfica.
No que diz respeito a seu trabalho como diretor, a técnica de Kahn é uma das características mais exemplares do filme, sempre proporcionando uma interação visual muito interessante entre os personagens e o ambiente das gravações. Ele apresenta de forma convincente as dimensões de seus personagens e suas intenções. No entanto, talvez o que torna “Making Of” algo a mais do que apenas um filme metalinguístico seja a sua autoconsciência. Kahn dissecou as questões de poder e ego que permeiam todas as classes artísticas, seja através dos produtores de estúdios que podem comprometer a visão dos cineastas em busca de lucros, a inflexibilidade dos próprios diretores que às vezes parecem não reconhecer suas fraquezas, tanto profissionais quanto pessoais, ou mesmo o ego e a hipocrisia de alguns atores que pregam uma coisa, mas fazem exatamente o oposto. Tudo isso é construído de maneira muito inteligente pelo diretor, que ao final do filme deixa bem claro que às vezes é necessário se sacrificar em nome da arte. Simon se torna um mártir, mas Kahn não lida com ele como tal. Como o diretor menciona em um momento do filme, é muito difícil falar sobre nós mesmos, mas acredito que Kahn saiba muito bem como se expressar.

