Existe uma maneira correta de retratar o despertar sexual de uma mulher? Abordar esse tema desde a infância pode ser algo um tanto quanto duvidoso? Essas são duas das perguntas que me acompanharam durante o decorrer de ‘Creatura’, novo filme dirigido e estrelado por Elena Martín, mas que ao seu final continuam sem uma resposta assertiva. O longa segue Mila (interpretada por Martín), uma mulher que, a princípio, parece ter uma relação desconfortante com o sexo. Logo no começo do filme, nós temos uma demonstração nada saudável que a protagonista tem com esse tipo de atividade, o que nos leva a crer que ela age daquela maneira por conta de algum trauma ou acontecimento do passado, e é nessa linha de pensamento que Martín decide desenvolver o resto de sua história.
A cineasta utiliza fragmentos da memória de Mila em sua juventude para tentar nos explicar sua psique. Nesses flashbacks, vemos os primeiros contatos da jovem com seu próprio corpo, mas a imagem que Martín nos faz crer na primeira cena de sexo do filme, onde a versão adulta de Mila força uma atividade sexual com seu namorado, não é a mesma da realidade do passado. Na juventude de Mila, vemos uma adolescente que, ao contrário de suas amigas, parece não ter tido muitas experiências sexuais em sua vida. Ela parece frígida no que se diz respeito à maneira como ela inicia as situações com os garotos de sua idade. A imagem masculina – quando não vem de alguém de sua intimidade – parece assustá-la, o que nos leva a crer que há algo de errado com ela. Em vez de tentar iniciar relações físicas com outras pessoas, Mila prefere se descobrir sexualmente através de chamadas de vídeo com desconhecidos, onde ela tem total controle de tudo que está acontecendo ao seu redor.
Além de todas as questões psicológicas sobre a maneira como a protagonista lida com o sexo, Mila possui uma série de erupções na pele que nunca são devidamente abordadas ou questionadas pela diretora. A primeira vez que vemos essas erupções é quando a versão adulta de Mila começa a ter uma espécie de crise de ansiedade após forçar uma situação sexual com seu namorado. Nos flashbacks, é revelado que, na verdade, Mila possui essas erupções desde sua infância. Martín nunca estabelece qual é a verdade por trás daquelas feridas, mas essa é apenas uma das várias questões que a diretora resolveu não responder.
O que enfraquece um pouco o desenvolvimento do filme é o fato de que diretora parece fazer com que os acontecimentos que ocorrem fora da tela tenham menos importância do que os que nos são mostrados. Até mesmo o despertar sexual de Mila parece ter sido resumido apenas às imagens compostas por ela. Não é que Martín não traga nuances para a história, elas existem e até certo ponto são bem construídas, mas fundamentalmente ela parece optar por diminuir os horizontes da interpretação. É uma abordagem válida que serve também como uma maneira de fazer com que a história contada seja mais objetiva em sua execução, mas é difícil não pensar nas outras questões que poderiam ter sido abordadas.
Embora existam aspectos que parecem ter sido inseridos no filme para extrair reações do público, o trabalho de Martín parece genuíno demais para funcionar apenas como uma mera provocação. Mas onde o longa realmente se destaca é na maneira como a diretora contrapõe as consequências das questões psicológicas de Mila com os acontecimentos que as causaram, como se tudo do passado fosse uma espécie de presságio. É também interessante a maneira como a diretora parece não ser crítica das ações de Mila, não porque não há algo de errado nelas, mas porque ela parece compreendê-las. Talvez a empatia seja o recurso mais poderoso do longa da cineasta.