Em “The Teacher’s Lounge”, filme de Ilker Çatak, uma escola serve de palco para uma representação das dinâmicas sociais e éticas que fazem parte do cotidiano de uma comunidade. A escola, que por princípio tem como intuito formar cidadãos, deveria ser um exemplo de ambiente em que qualquer tipo de discriminação fosse altamente rejeitado. Mas fica claro no filme de Çatak que, embora não seja um fator decisivo no que se diz respeito as relações entre os alunos e funcionários, aspectos de raça e classe sempre fazem com que a corda arrebente do lado mais fraco.
Desde os primeiros momentos do filme é possível perceber que essas dinâmicas já fazem parte do dia a dia de todos que frequentam aquele ambiente. Logo vemos um jovem — de origem Árabe — sendo acusado de um furto que não cometeu. Embora não existam provas concretas, o jovem passa por um constrangimento na frente dos outros alunos, que tem como entendimento que ele era o responsável pelo sumiço do pertence de outra pessoa. Ao perceberem que ele foi vítima de um mal entendido, a história logo tem um fim — para todos, menos o menino.
A professora Carla (Leonie Benesch) é um fator decisivo e presente em todos esses momentos. É possível notar que ela sempre tenta resolver as coisas do seu jeito, fechando os olhos para o que ela julga irrelevante e buscando punir coisas que pra ela são pertinentes. Na sala de aula ela é a voz a ser ouvida, tendo sempre a primeira e última palavra. Após filmar uma suposta funcionária roubando dinheiro de sua bolsa, Carla enfrenta um teste moral sobre o que fazer. A funcionária nega a acusação mesmo quando lhe é mostrado o vídeo do roubo, visto que em momento algum a câmera filma o rosto da pessoa que cometeu o ato. Mas as imagens são suficientes para fazer com que a funcionária seja afastada da escola. Acontece que o seu filho é um dos alunos de Carla e, assim como a maioria das pessoas faria, ele tenta fazer de tudo para inocentar a sua mãe.
Embora seja a vítima da situação, Carla cruza a linha da ética em diversos momentos ao longo do filme. Ela não consegue aceitar a falta de controle que tem da situação, fazendo com que suas tentativas falhas só tornem as coisas piores para todos os envolvidos. Em querer ditar o que é certo e o que é errado, Carla tenta resolver as coisas do seu próprio jeito. As consequências dessas atitudes fazem com que ela logo se torne uma espécie de persona non grata na escola, tanto entre os alunos quanto entre os funcionários. As dinâmicas de poder logo começam a inverter conforme os alunos se compadecem com o seu colega de classe.
Çatak lida com os desenrolares dessa história com um olhar bem crítico da sua protagonista. Embora ele faça com que a gente entenda o porquê dela estar tomando aquelas atitudes, o diretor também questiona até onde ela pode chegar enquanto tenta resolver isso. Para ele, Clara representa uma força maior que tenta tomar o controle das situações através de intimidação, fazendo com que as dinâmicas abordadas pelo filme sejam relevantes conforme observamos as coincidências que esses acontecimentos têm com a vida real, principalmente quando o filme decide abordar o tema do jornalismo e de tudo que acarreta a partir dele. É óbvio que a dinâmica em evidência na escola é diferente do que acontece fora dela, mas a maneira com que o diretor decide demonstrar a influência que o jornalismo tem ao iluminar questões que muitas vezes passam despercebidos pela sociedade, faz com que o seu filme toque em um tema delicado e interessante.
Para Çatak, o que está em jogo na escola nada mais é que uma representação das questões de punição que estão em vigor nas leis do mundo real. O que na escola pode ser resolvido com uma detenção, na vida pode ser encarado como uma forma de condenação maior. Ao fim do filme Carla não se torna apenas uma professora que cruzou alguns princípios morais, mas sim alguém que acredita que as coisas podem ser resolvidas com as próprias mãos, burlando todas as regras que existem para que casos como esse não aconteçam.
A direção de Çatak faz um trabalho consistente ao tratar de todos esses temas com uma mentalidade madura, sem percorrer caminhos fáceis ou pouco inventivos. Os momentos em que o diretor lida com a história com um olhar de suspense fazem com que a história seja atrativa, mas o que realmente chama atenção é o roteiro de Johannes Duncker, que faz com que tudo que esteja acontecendo seja socialmente mais relevante que a simplicidade da narrativa principal permite em um primeiro momento.