Berlin 2023 – Horse Opera

“As narrativas convencionais parecem inautênticas porque querem controle.” A frase dita por Hilton Als em uma entrevista ao The Guardian após vencer o prêmio Pulitzer é mencionada por Moyra Davey no seu novo filme ‘Horse Opera’, e parece definir o trabalho da diretora não só nesse caso específico, mas também no aspecto geral da sua carreira. Quem acompanha o trabalho de Davey sabe o apreço que ela possui com as narrativas não convencionais. Analisando sua filmografia é impossível não perceber que a sua ferramenta mais forte é o desconforto causado pela construção inacessível que ela utiliza como sua assinatura artística. Toda essa inacessibilidade poderia ser absurdamente sofrível no que se diz respeito à conexão entre o filme e o espectador, se não fosse pela relação surpreendentemente pessoal que Davey — que não consegue conter a sua fascinação diante das sensações coletivas que suas histórias relatam — tem com o seu trabalho. 

O filme se baseia nas memórias de uma Nova York do passado, na qual Davey relata as lembranças de Elle, uma figura sem definição real ou fictícia. Davey narra a história sobre as noites que sua personagem vive, sendo em baladas com alto uso de drogas ou nos seus momentos mais íntimos com seu filho, em que ela reflete sobre a relação que os dois possuem. Davey, que se demonstra uma artista na máxima potência, se recusa a tratar essas histórias de uma maneira tradicional. São através de imagens de sua casa e de seus animais que Davey relata sobre as experiências vividas por Elle. Essas imagens tendem a se isolar em uma linguagem na qual apenas Davey consegue compreender completamente, fazendo com que seja difícil para que o espectador se aproxime da sua linha de pensamento, mas assim que se atravessa essa barreira linguística, a recompensa faz com que a persistência valha a pena.

Além disso, Davey parece conseguir traduzir bem o sentimento de acolhimento que algumas histórias podem trazer. O filme que começou a ser gravado em 2019 também acompanhou os momentos de confinamento por conta da COVID, e talvez seja isso que faça com que ‘Horse Opera’ atinja notas tão pessoais. Os sentimentos de isolamento foram extremamente difíceis para aqueles que o enfrentaram sozinhos, que é o que Davey tenta abordar com o seu trabalho. Ela, assim como milhões de outras pessoas, também tiveram que buscar conforto em si mesmo durante esse período, mas a única coisa que separa Davey dos outros milhões é a maneira com que ela decidiu enxergar essa situação. Ela lida com o tempo como algo dentro do alcance, como se tudo que vivemos pudesse ser vivido novamente, nem que seja por apenas alguns minutos. Embora seja difícil lidar com o tempo sem remeter à morte, Davey entende que todas essas questões estão subentendidas dentro da sua narrativa.

Outra fonte de influência para Davey durante o período de filmagem de ‘Horse Opera’ foi Elizabeth Hardwick, novelista e crítica literária. Davey menciona que Hardwick desaconselha escrever sobre insônia, porque é uma experiência chata e repetitiva, mas esses adjetivos parecem familiar para as duas. O New York Times descreveu o livro ‘The Sleepless Nights’ da escritora como “um dom de falta de enredo, pois é organizado mais como uma peça musical do que como um romance tradicional, com sua longa e lenta construção de temas e vidas”. A descrição encaixa perfeitamente na forma de expressão de Davey na maioria de seus projetos. Ao invés de seguir a maneira comum de narração, ela prefere alienar o espectador com sua voz mórbida e seu ritmo apático, fazendo com que a experiência de se aprofundar no seu trabalho seja mais algo conquistado do que facilmente entregue.

Não existe nada fácil em ‘Horse Opera’, mas essa escolha parece ser conscientemente deliberada. O interesse de Davey pelo cinema experimental é perceptível em todas as suas escolhas no que se diz respeito ao seu trabalho como diretora. Estranhamente, chamar Davey apenas de diretora parece subestimar seu alcance como artista. Ela que trabalha como fotógrafa, escritora e cineasta decide não se encaixar completamente em nenhuma dessas descrições, pelo contrário, aparenta desfazer a linha que separa elas, como se fosse um prova que a sua linguagem como artista não conhece barreiras.