Em Cidade Rabat, novo filme de Susana Nobre, descobrir que pior do que ver sua vida cair em pedaços é perceber que ela continua exatamente a mesma. As expectativas que criamos – sejam elas positivas ou negativas – tendem a nos direcionar diretamente à uma decepção. Quando se espera o melhor, qualquer coisa que não supra essa expectativa é considerado uma frustração. Mas o que acontece quando o pior não é aquilo que você espera? Afinal, assim como as coisas boas, as coisas ruins também são capazes de trazer algum tipo de conforto. Os sentimentos de tristeza e dor fazem parte do processo de vivência de todo mundo e eles são algo que devem ser enfrentados, mas as vezes, simplesmente, não existe nada para enfrentar.
‘Cidade Rabat’ acompanha a vida de Helena, uma produtora de filmes que aos 40 anos perde a sua mãe. Após passar anos cuidando dela e do resto de sua família, Helena finalmente tem tempo para se dedicar a si mesma. O luto parece não atingir Helena no primeiro momento. Ela continua vivendo sua vida como se nada tivesse acontecido, em um período de “autodescobrimento” que nunca parece ser realmente eficiente. Inclusive, esse período só parece existir por uma falsa sensação de liberdade que ela sente após o falecimento da mãe. O que é descrito como um coming-of-age da meia idade nada mais é do que momentos de despreocupação. Cenas da personagem bebendo e dançando acontecem com frequência ao longo do filme, como se pela primeira vez na vida dela ela não devesse satisfações à ninguém. Mas é óbvio que essa fase um dia ia passar.
Conforme Helena se desprende de suas responsabilidades ela começa a enfrentar dificuldades com a própria filha, que parece não levá-la a sério. No momento em que Helena perde sua mãe, ela começa a se perder da sua própria filha. É como se as duas não falassem o mesmo idioma e todos os seus conselhos e demonstrações de afeto fossem perdidos, mas em momento algum existe um tom melodramático por trás disso. Nobre não tenta transformar isso em algo maior do que é porque ela entende que essas são questões reais que afetam pessoas de verdade, não somente em filmes.
Essa sensibilidade de Nobre não é demonstrada somente na relação entre mãe e filha, mas também na singularidade encontrada no sentimento do luto. Dizer que cada um lida com o luto da sua maneira já se tornou algo repetitivo, mas talvez seja isso que faça a abordagem de Nobre tão verdadeira. O luto não vem para Helena como um sentimento esmagador de tristeza, culpa, arrependimento ou dor, ele vem simplesmente como uma sensação de perda. Essa sensação demora a aparecer de maneira explícita, mas durante todo o filme é possível perceber que esse sentimento já ocupa um espaço em Helena. É como se ela estivesse anestesiada enquanto tenta levar sua vida, mas no momento em que ela realmente se dá conta do que aconteceu, ele finalmente lhe atinge.
O que mais afasta o filme da sua descrição como um coming-of-age é o fato de que não existe um motivo para a Helena entrar em um processo de “autodescobrimento” porque em momento algum ela se perdeu. A morte da mãe dela, por mais difícil que seja de superar, não transformou a sua vida em algo diferente do que era antes. Achar que algo tem que acontecer para que a gente possa mudar é um pensamento ilusório, porque na maioria das vezes os acontecimentos não mudam o que somos. Se adaptar a uma nova realidade não é uma maneira de transição, é simplesmente se adaptar e Helena parece aprender isso de maneira difícil. É preciso encarar que às vezes não existe nada além de seguir em frente.
Nobre é esperta o suficiente para não transformar a história de Helena em um melodrama, mas isso se dá ainda mais por conta do contexto que a personagem está inserida. Helena trabalha na produção de um filme e enfrenta dificuldades em distribuir o salário entre os figurantes do filme. Não existem grandes atores nas sequências onde Nobre mostra o ambiente do set de filmagem, tudo é extremamente real e simples, da mesma maneira que o seu próprio filme. Ela mostra Helena trabalhando em uma área onde os reais sentimentos tendem a ser confundidos com atuações, muitas vezes se perdendo, não sendo sinceros e com isso usa toda a artificialidade que o cinema pode oferecer como contraponto do seu próprio filme, que possui a essência mais natural e verdadeira possível.
O que faz com que o trabalho da diretora seja algo tão admirável é a maneira com que ela consegue lidar com questões importantes sem nunca soar didática. Por mais que muitos confundam os dois, a emoção é diferente de um sentimento. Atenuar emoções para atingir os ritmos de uma abordagem mais convencional não deveria ser algo mais importante ou respeitável que ser capaz de trazer sentimentos reais para uma narrativa mais realista, o que Nobre consegue atingir com ‘Cidade Rabat’, se tornando uma prova de toda a sua humanidade.