Sundance 2023 – Slow, When It Melts & Iron Butterflies

Em ‘Slow’, novo filme de Marija Kavtaradzė, o amor é muito mais do que uma representação de atração física. O filme acompanha Elena, uma professora de dança, e Dovydas, um intérprete de libras. Após realizarem uma aula juntos eles começam a desenvolver um tipo de relacionamento. Desde o primeiro momento pode-se notar que os dois são opostos um ao outro. Elena é uma mulher profundamente livre, em todos os sentidos da palavra. O sexo casual é uma constante em sua vida, da qual ela faz questão de mostrar sua independência e desprendimento a qualquer um que esteja ao seu redor. Já Dovydas mostra uma insegurança e timidez. Para ele, a linguagem de sinais é uma forma de escape das retóricas presentes em conversas corriqueiras. Além disso, Dovydas também é assexual.

A maneira com que Kavtaradzė lida com o desenvolvimento dessa relação inusitada pode parecer um pouco desinspirada em um primeiro momento. O desenrolar da história atinge todos os clichês que essas questões costumam trazer, mas o que eleva ‘Slow’ a um nível acima do esperado é a sinceridade na relação dos dois protagonistas, tanto fisicamente quanto psicologicamente. São nos momentos de intimidade que é possível notar uma conexão muito mais verdadeira do que alguns outros atores conseguem expressar. O processo de aceitação em ‘Slow’ é lento e doloroso, mas Kavtaradzė sabe que a verdadeira compensação está nos dizeres mais simples.

Para Veerle Baetens algumas coisas simplesmente não podem ser superadas. Questões que lidamos na vida podem ser decisivas para o futuro, nos fazendo crescer ou sucumbir diante delas. Em ‘When It Melts’, essas expressões possuem um significado ainda maior. O drama segue o retorno de Eva para sua cidade natal, onde os seus traumas parecem mais presentes do que nunca. As razões que explicam o comportamento atípico de Eva são reveladas ao longo do filme, através de flashbacks que mostram Eva como uma ferida ambulante. 

Baetens pesa a mão em uma narrativa brutal e violenta, em que a justiça não representa absolutamente nada para uma comunidade construída em cima de violações diárias. É um trabalho desolador que peca ao não abrir espaço para nuances, fazendo com que toda a violência que marca os personagens sejam presenciadas pelo espectador. O trabalho da diretora beira ao sadismo em alguns momentos em que a crueldade é confundida como divertimento e o silêncio é a única resposta possível. A interpretação de Rosa Marchant funciona como um milagre para uma história como essa. Marchant, apesar da idade, entrega uma performance madura e bem construída, mostrando como é possível trazer a dubiedade como uma ferramenta a favor da sua personagem. Ao mesmo tempo em que a ingenuidade de Eva parece sincera, a sua conivência com as barbáries ao seu redor trazem um aspecto dramaticamente mais relevante para a personagem, e tanto Marchant quanto Baetens parecem estar de acordo com essa questão que envolve a personalidade de Eva. Mesmo que Baetens consiga mostrar de maneira convincente a tragédia ao redor desse acerto de contas, a falta de um aprofundamento mais psíquico de alguns personagens fazem com que ‘When It Melts’ não atinja o potencial máximo.

A questão que ronda a Rússia e a Ûcrania hoje em dia, embora evidente desde alguns anos atrás, ainda possui uma certa falta de clareza no que se diz às suas motivações e finalidades. Tentar entender todo o envolvimento econômico e cultural que cerca os dois países parece ser uma tarefa árdua que Roman Liubyi preferiu não realizar quando dirigiu “Iron Butterflies”, seu novo documentário. O filme foca no Voo Malaysia Airlines 17, que serviu como um dos mais relevantes indícios de uma possível guerra entre os dois países, mas ao invés de Liubyi focar nas questões que levaram a este ataque, ele prefere mostrar como um sistema que beira os limites da democracia lidou com esse acontecimento. A mão que oprime a mídia da Rússia, embora invisível, é mais presente do que eles se permitem acreditar. A história do MH17 foi distorcida de todas as formas possíveis pelos russos, que procuram qualquer um para culpar a não ser eles mesmos. 

A maneira com que Liubyi lida com esse negacionismo coletivo é a via mais forte do seu longa, por mais deprimente que isso seja. Essa abordagem seria suficiente para fazer o filme valer a pena, se não fosse pela ambição exacerbada do diretor. Liubyi sobrecarrega o espectador com informações, muitas vezes com duas ou mais sendo atiradas na tela – além dos áudios de jornalistas russos comentando sobre o atentado. O diretor também usa algumas cenas experimentais com subtexto para representar os acontecimentos que o documentário explora, mas essa abordagem parece deslocada e sem rumo. O filme definitivamente mastiga mais do que pode engolir, mas funciona como um comentário sobre a opressão causada pelo estado Russo.