DOC NYC – O Território

Avaliação: 3.5 de 5.

Em “O Território”, novo filme de Alex Pritz, as questões sociais levantadas pelo diretor ultrapassam as barreiras narrativas que um filme pode ter, fazendo com que as imagens exibidas no documentário se tornem um objeto de extrema urgência, tanto na luta contra o desmatamento da Amazônia quanto ao embate direto dos povos indígenas com os madeireiros e garimpeiros. O documentário de Pritz possui um tom completamente combativo, exibindo depoimentos tanto dos indígenas quanto daqueles que alegam ser donos daqueles pedaços de terra, mostrando os dois lados de uma história que já faz parte do cotidiano daqueles que decidem se envolver com essas questões. Além do foco nos embates pelas propriedades de terra, Pritz também decide mostrar um pouco da luta indigéna do povo Uru-eu-wau-wau, que vive na região há décadas. Nós acompanhamos diversas tentativas dos garimpeiros de tentar expulsar e silenciar os povos daquela região.

O uso da câmera como ferramenta de resistência acaba se tornando o foco principal do documentário, que assume que ao capturarem as ameaças e atrocidades dos garimpeiros, possuem uma arma para usar contra eles. E é isso que torna o trabalho de Pritz tão transcendental. Ao usar desse artifício ao seu favor, o diretor faz com que “O Território” seja uma peça fundamental na luta daqueles povos. A partir do momento em que um pedaço de arte se torna algo relevante para a vida de centenas de pessoas, há de se concluir que além de ser fascinantemente construído, o projeto também é indubitavelmente essencial. Talvez seja isso que torne o trabalho de Pritz algo tão relevante. A luta dos povos indígenas, apesar de antiga, só começou a receber os holofotes necessários através desse tipo de ação documental, tanto da parte de jornalistas e documentaristas, quanto da parte deles mesmo, que utilizam da captação de vídeo como uma forma de denúncia às ações daqueles invasores.

Mas além de mostrar esse combate de forma pacífica, Pritz também mostra o preço que essas pessoas pagam por lutarem pelos seus direitos. Em um ato hediondo, Ari Uru-eu-wau-wau, integrante do movimento indígena na região, é brutalmente assassinado. Embora o documentário não conclua quem foi o responsável pela morte de Ari, tudo fica subentendido através dos depoimentos daqueles que eram próximos a ele. O que vem como surpresa para muitos é que, embora o medo da repressão aumente por conta do assassinato, o luto se torna uma motivação para lutar ainda mais contra esses invasores de terra. Os povos Uru-eu-wau-wau não possuem tempo para processar a perda de Ari, mas eles usam da dor causada pelo luto para procurar justiça e responsabilização por tudo que têm enfrentado.

A abordagem ao redor das queimadas e desmatamento causados na região é eficiente, mas parece perder o fôlego conforme as lutas indígenas tomam o protagonismo da história. Embora os dois aspectos sejam interessantes, muitas vezes temos a sensação de que aquela história está sendo contada pela metade. Pritz, embora completamente investido na luta contra os invasores, parece não possuir tempo suficiente para aprofundar e explorar todos os lados dessa história. É como se grande parte do filme tenha sido perdido na sala de edição. Esse sentimento de incompletude não diminui o impacto que o filme tem nas questões já mencionadas, mas faz com que grande parte do potencial da trama seja subestimado. Talvez o que mais seja estranho nessa situação é o fato de Pritz também estar envolvido na edição do filme. Isso faz com que o espectador questione se as lacunas não preenchidas foram uma real intenção do diretor, que parece preferir que as abordagens sejam questionadas e não respondidas.

O filme também explora a questão do impacto que a eleição de Jair Bolsonaro tem na vida dos povos daquela região. Qualquer um que acompanhe a política do atual governo sabe que as questões indígenas são tratadas com desprezo pelo presidente, que luta explicitamente contra a demarcação de terras e a favor do garimpo ilegal. Caso Bolsonaro fosse reeleito nas urnas no último mês, o documentário de Pritz possuiria um tom sombrio e desolador, visto que é notável o medo que os povos daquela região enfrentaram ao longo desses quatro anos, mas com a derrota dele nas urnas, o sentimento que fica é o de esperança para que aqueles povos possam finalmente viver em suas terras.


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