Em “Subtotals”, nós vemos uma vida inteira reduzida a números. Quantas pessoas você já beijou? Quantas você já traiu? Quantas vidas já viveu? Quantas já morreu? São algumas das questões levantadas pelo diretor Mohammadreza Farzad, que opta por uma visão poética sobre a vida, navegando por toda sua história através de imagens gravadas no passado. Farzad relembra os principais momentos da sua vida com um tom melancólico. Ele recorda suas antigas paixões com arrependimento, questionando como sua vida seria diferente se ele tivesse sido mais honesto com aqueles que o cercavam. As memórias de sua infância são acompanhadas por uma nostalgia extremamente emocional. É impossível olhar para o passado sem cogitar sobre as questões do presente e do futuro. Talvez seja por isso que o curta tenha uma aura tão lamentosa.
Os vídeos caseiros de 8mm trazem uma beleza contemplativa do passado do diretor, que revisita as memórias como se às mais pequenas mágoas fossem cicatrizes que ainda não se curaram. Não sabemos até onde esses sentimentos de Farzad são reais ou apenas ferramentas narrativas para conseguir captar os sentimentos do espectador, mas isso parece irrelevante quando analisamos o cuidado que o diretor tem ao lidar com seu passado. Pouco importa se as intenções são genuínas, porque Farzad alcança o seu maior desejo: fazer com que nós também revisitemos nossas memórias.

Através de recriações de uma entrevista dada pela atriz Maria Schneider, nós acompanhamos a desconstrução de sua identidade como figura pública. Não é novidade que a carreira de Schneider foi definida pela violência sexual que ela enfrentou durante as gravações de “O Último Tango em Paris”, mas em “Maria Schneider, 1983” nós ficamos de frente com a face de uma mulher que teve o controle de sua narrativa tirada de seu alcance. O curta documental de Elisabeth Subrin parece ter como objetivo mostrar a ambição que Schneider possuía para sua carreira como atriz, mas para todos que são familiarizados com sua trajetória, assistir ao relato de como sua vida foi reduzida à um ato de violência é, no mínimo, sombrio. Todo o potencial da jovem parece ter sido ofuscado pela controvérsia ao redor das gravações do filme de Bernardo Bertolucci. Em um caso como esses, a verdade não é algo fácil de se ouvir, mas Subrin vê a necessidade de frisar: Maria Schneider foi estuprada por Marlon Brando. Como se ouvir isso uma vez não fosse o suficiente, a diretora faz questão que nós escutemos de novo. E de novo.
A primeira a recriar a entrevista de Schneider é Manal Issa. Issa traz uma postura impenetrável para sua versão de Maria. A confiança da atriz em cena pode soar como arrogância, mas esse tom é essencial para que as outras duas recriações tenham o impacto desejado. Aïssa Maïga dá uma outra face à Maria, dessa vez nós vemos uma pessoa completamente aberta, acessível e até mesmo bem humorada, mesmo que o assunto em questão seja de extrema urgência. Por último temos Isabel Sandoval. Sandoval traz humanidade e vulnerabilidade para Schneider. A sua reconstrução da entrevista é a mais ponderosa do curta, porque aqui vemos uma versão de Maria desconhecida pelo público. As três atrizes são excelentes no papel, cada uma com sua singularidade e essência, mas talvez a interpretação mais eficiente seja a de Maïga. Enquanto Issa e Sandoval parecem ser os dois extremos de Schneider, Maïga encontra um meio termo entre a impenetrabilidade e a vulnerabilidade que presenciamos no longa. As duas características são completamente opostas, mas Maïga consegue navegar entre elas de uma maneira complexa e extremamente real.

No que diz respeito às imagens exibidas, “Terra Que Marca” é um verdadeiro cinema de sentidos. Sem qualquer tipo de diálogo ou música, acompanhamos o dia a dia no campo. Vemos pessoas trabalhando nos solos. Colher e plantar se tornam um trabalho extremamente essencial para aqueles que vivem disso. Nada foge do ordinário, mas Raul Domingues consegue captar imagens completamente fascinantes. Talvez, ao primeiro contato, seja difícil se entregar completamente ao filme devido a sua falta de narrativa, mas com o passar dos minutos, é como se os atos mais banais se tornassem algo completamente instigante. Existe algo intoxicante sobre a maneira com que Domingues retrata a realidade do campo, algo que torna o cotidiano daquelas pessoas em objeto de imersão profunda.
É difícil não comparar o documentário de Domingues com “Alcarràs”, de Carla Simón. Nos dois projetos nós acompanhamos como as pessoas fazem da plantação sua maneira de sustento. Os dois filmes optam pelo naturalismo ao invés de uma narrativa direta, mas enquanto em “Alcarràs” existe toda uma questão social por trás de sua nostalgia, em “Terra Que Marca” o social já parece estar mesclado com a vivência daquelas pessoas. Observar idosos colhendo e plantando nos faz questionar o porquê deles ainda estarem realizando trabalhos braçais nessa idade, mas Domingues não procura entregar uma resposta para essa pergunta. Ele transforma a imagem na força central de seu trabalho, como se essas imagens do campo fossem uma espécie de quadro pintado por ele.