Transmitindo sua mensagem da forma mais clara possível, “Holy Spider” procura causar um impacto ao espectador que vai muito além do cognitivo. Trazendo desde seu início um clima de estranheza e bastante opressão visual, o longa de 110 minutos tem como objetivo mostrar o peso da tirania sexista que ocorre no Irã, país onde a trama se passa.
O longa inicia com ritmo acelerado e de maneira concisa, com o diretor Ali Abassi transportando o espectador em uma viagem cruel na vida de prostitutas na cidade de Mashhad. Uma mulher misteriosa, com aparência abatida, segue um dia aparentemente “normal” em sua rotina como profissional do sexo. Mas no fim da noite seu destino é traçado quando ela se depara com um cliente que a leva para um lugar estranho, onde ela tenta escapar sem êxito. A forma frenética com que o diretor trabalha todas essas etapas até o momento onde aparece o título da obra, trás uma riqueza cinemática raramente vista no cinema atual, é preciso bastante destreza para entregar todas as peças de uma narrativa de maneira tão inteligente e eficaz. Assim o filme apresenta uma cadeia de eventos que revelam a história de um serial killer, que acredita estar “limpando” a cidade ao assassinar garotas de programa nas ruas.
O roteiro apresenta suas ideias de maneira bem clara por diferentes ângulos: em alguns momentos o foco é causar um estranhamento, em outros o choque de cenas bastante gráficas. Porém são nos momentos de quietude onde a personagem principal Rahimi, interpretada pela excelente Zar Amir Ebrahimi, traz uma conduíte de empatia para a história. Ela é uma jornalista que busca investigar os casos de mulheres que são assassinadas pelo psicopata ‘Spider Killer’. Buscando desvendar o mistério que assola a comunidade, a personagem enxerga o descaso com que o as autoridades tratam o caso. Ela como jornalista vivencia o sexismo sistêmico imposto na sociedade, e no caso das vítimas, a misoginia toma patamares ainda maiores, tendo suas mortes ignoradas ou justificadas por meio de um puritanismo religioso doentio.
Parte da história também se passa pelo ponto de vista do próprio criminoso. Saeed (Mehdi Bajestani), tendo vivenciado a linha de frente em uma guerra, atualmente trabalha em construções. Ele é um homem pequeno, que busca no sistema religioso e sexista uma desculpa para alimentar sua megalomania. Assim ele se incube da tarefa de assassinar mulheres vulneráveis em nome da pureza da sociedade. Nesse ponto os roteiristas Ali Abbasi e Afshin Kamran Bahrami trabalham de forma genial, mostrando o cinismo e a crueldade de Saeed.
O representante da Dinamarca na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2023 pode causar bastante desconforto por ser cru e visceral, mas também traz a minuciosidade necessária ao tratar das nuances da história. É uma experiência inquietante, acentuada pela morte de uma mulher pela polícia dos costumes do Irã, que recentemente geraram protestos em todo o país e também pelo mundo.