Em 2018, Lukas Dhont venceu o prêmio da mostra Un Certain Regard com “Girl”, seu filme de estreia. Já em 2022, Dhont retorna a Cannes na seleção oficial com “Close”, filme que acabou vencendo o Grande Prêmio do Júri. Embora tenha se mostrado um diretor competente, cujo os trabalhos sempre atraíam prêmios, Dhont não consegue escapar das suas visões aproveitadoras, que tendem a deixar um gosto ruim na boca de qualquer pessoa que se permita questionar as suas reais intenções com as histórias contadas em seus projetos. “Close” retrata a amizade de dois jovens garotos, chamados Leo (Eden Dambrine) e Remy (Gustav De Waele). Os dois passam os dias e as noites juntos, com uma relação que remete a uma amizade de irmãos. Quando se mudam para uma nova escola, a relação entre os dois começa a se desvanecer graças às suposições sobre a vida pessoal e amorosa dos jovens. Os dois se afastam e começam a viver vidas separadas, o que até então era algo desconhecido para os dois amigos. Abordando temas como a inocência infantil, questões de masculinidade e distúrbios psicológicos, Dhont mostra, mais uma vez, sua fixação com o sofrimento queer.
O filme possui pouca sensibilidade ao enfrentar assuntos pertinentes sobre o desenvolvimento humano, lidando com a maneira que os jovens enfrentam questões difíceis e muitas vezes cruel sobre a humanidade enquanto amadurecem. A construção da inocência na relação de Leo e Remy toma conta do primeiro ato do filme, onde acompanhamos o cotidiano dos dois meninos como meros espectadores, sem muitas informações sobre as suas histórias ou personalidades. O que Dhont apresenta nessa primeira fase é o quão pura e ingênua a relação deles realmente é. Mas logo depois desses minutos dedicados ao estabelecimento dessa amizade, Dhont nos coloca direto na desconstrução do significado dessa amizade. A relação entre os dois começa a incomodar seus colegas de classe, que passam a enxergar a relação dos dois com malícia, insinuando que os dois são nada menos que namorados. É nítido que nem Leo nem Remy nunca olharam para esse vínculo com esse olhar, porque não era assim que eles se enxergavam. Ao ter que lidar com essa questão, Leo começa a renegar Remy, não só na escola mas também em casa, onde ele quebra os rituais que os dois tinham construído durante tudo que antecedeu aquele questionamento. Abalado, Remy percebe o afastamento e começa a sofrer com o que está acontecendo.
É no mínimo curioso a atração que Dhont possui por questões de gênero, principalmente ao redor de todo o sofrimento e preconceito que esses encontram ao longo de sua vida. Enquanto em “Girl” ele lida com a questão da transexualidade, em “Close” ele explora as nuances de um suposto relacionamento gay. Em momento algum ele deixa claro quais são os reais sentimentos de Leo e Remy, mas a questão incômoda não é essa. O mais incômodo é a omissão de um real propósito por trás de todos os questionamentos que ele levanta ao longo do filme. Por que explorar apenas o sofrimento que as pessoas que passam por isso sofrem? Ao invés de enfrentar essas questões de maneira empática e realista, Dhont prefere a tragédia. É óbvio que a situação que ele aborda é uma realidade para muitas pessoas, mas priorizar o sofrimento nos seus dois trabalhos como cineasta é, no mínimo, duvidoso. Os questionamentos levantados por Dhont não vêm de um lugar de amor, mas sim de um lugar onde a ignorância e o sofrimento prevalecem. Caso “Close” fosse um trabalho isolado, as intenções de Dhont poderiam facilmente ser ignoradas, mas quando “Girl” possui a mesma abordagem aproveitadora e pessimista, o seu trabalho se torna um objeto de opressão.
O roteiro, que começa o filme de forma promissora, logo se torna em um melodrama cansativo e previsível. Toda a questão da masculinidade é retratada de maneira exagerada e óbvia, porque Dhont parece incapaz de trazer qualquer tipo de nuance para sua projeção. Sophie (Émilie Dequenne), mãe de Remy, é o maior caso de dramatização excessiva do diretor. Todos os momentos em que ela é apresentada para o espectador servem como um lembrete de todo o sofrimento consequente do preconceito de uma sociedade ignorante e atrasada. Dequenne tenta trazer camadas para sua personagem, tentando lidar com sentimentos opostos à tristeza, mas Dhont não demonstra o mínimo de interesse na pluralidade de emoções que uma pessoa na posição dela enfrenta. A questão do amadurecimento de Leo também é a mais óbvia possível. Ele se isola, corta o contato com a família, tem momentos de fúria e procura redenção, como se Dhont riscasse o passo a passo do desenvolvimento do personagem conforme as cenas aconteçam. Mas onde o roteiro mais falha é em não aproveitar toda a área cinzenta que lidar com relações humanas tem a oferecer. Não existe qualquer tipo de ambiguidade na relação entre os meninos e os outros alunos da escola porque Dhont, assim como os estudantes, prefere determinar o direcionamento dos sentimentos de Leo e Remy de maneira em que, as verdadeiras emoções se tornem aquilo que o diretor tomou como verdade absoluta.
Talvez o único fator de redenção do filme seja a atuação dos dois meninos, que embora sejam iniciantes, nunca demonstram qualquer traço de amadorismo. Waele constrói Remy internalizando todos os pensamentos que o jovem tem. Ele possui comando quando se trata dos rumos que o personagem deve tomar, sendo capaz de tornar genuíno qualquer contradição do roteiro de Dhont. Mas o grande trabalho emocional do filme vem de Dambrine, que incorpora os diversos estágios que o personagem enfrenta de maneira complexa e sensível, mas sem nunca optar pelo caminho fácil quando se trata de lidar com emoções humanas. Os dois são responsáveis por elevar um filme que, sem a presença de atores qualificados para os papéis principais, se tornaria um enfadonho e hipócrita trabalho por parte de Dhont.
A conclusão do filme, assim como tudo que antecede os últimos momentos, é completamente minada pela manipulação emocional que Dhont fez tão presente ao longo de seus cento e cinco minutos de duração. Não é que os sentimentos explorados não sejam verdadeiros, mas a presunção do diretor de achar que a emoção que o seu trabalho causa é suficiente para compensar toda experiência miserável que o espectador enfrenta, torna o filme em uma calculada e genérica ferramenta de manipulação.