Mostrando como o racismo persiste através das grandes ou pequenas ações, “Master” é um filme de horror que ao escolher uma abordagem mais incômoda que assustadora, criando uma atmosfera hipnotizante com um comentário social urgente e oportuno.
O longa conta a história de três mulheres negras que sofrem com microagressões em uma universidade de elite em Nova Jersey. Ao escolher retratar três protagonistas diferentes, o filme mostra como o racismo é presente no dia a dia de todos, independentemente da posição na sociedade. Ao ser a primeira negra a tomar conta do cargo de reitora, Gail (Regina Hall) se vê sendo utilizada como uma forma de escape para a desigualdade racial no campus da universidade. Apesar da autoridade da sua função, Gail nunca consegue controle total de suas atitudes ou falas, visto que sempre é corrigida ou silenciada por seus colegas. Jasmine (Zoe Renee) é uma das novas alunas na universidade e como uma das poucas negras do lugar, sofre com comentários e brincadeiras que remetem ao trauma de uma história local. Essas ações criam uma tensão crescente através do filme, até chegar no seu clímax que traz consequências trágicas a história. A última protagonista é Liv (Amber Gray), uma professora que carrega um passado misterioso. A figura de Liv é uma representação dos conflitos aparentes entre pessoas negras de pele clara. Mesmo com toda a rede de comunicação e proteção entre os professores e alunos negros da universidade, o filme mostra como muita das vezes o preconceito internalizado pode interferir nessas relações.
Além da história das três protagonistas, o longa trabalha com o horror utilizando o fantasma de uma empregada negra que trabalhava na mesma casa em que Gail reside e uma história de bruxaria de séculos passados que assombram o campus. A história contada pelos estudantes é que uma bruxa cometeu suicídio em um ritual nos tempos das bruxas de Salem, e que a cada ano ela escolhe um novo estudante para levar consigo. A história impressiona Jasmine, que se vê cada vez mais envolvida com o passado e com a história dessa bruxa. Eventualmente a obsessão de Jasmine começa a se materializar e o que não passava de um mito local acabou se tornando um verdadeiro tormento em sua vida.
A diretora estreante Mariama Diallo demonstra muita personalidade e mão firme nas suas escolhas narrativas. A história é contada de maneira dinâmica com uma edição afiada e que, apesar de muito bem utilizada na maior parte do filme, acaba tornando a história um pouco mais confusa do que já é. Diallo tem muitas ideias e visões para essa história, mas ao invés de sobrecarregar a narrativa com escolhas visuais e sem substância, a diretora é capaz de moldar as situações em uma espiral entre o presente e o passado. O roteiro (que também é assinado por Diallo) evita sutilezas, pelo contrário, parece brincar com o tom agressivo e exagerado da trama. A mensagem da diretora é muito clara e ao invés de tentar transformar a história em algo mais refinado e polido, prefere abraçar todo o caos desconcertante criado por ela mesma.
ReginaHall é o destaque do filme em termos de atuação. A atriz, que é mais conhecida por seu papel cômico na franquia do “Todo Mundo em Pânico”, consegue mostrar que é mais do que capaz de carregar o tom dramático do filme e da sua personagem. Ao mesmo tempo em que a atriz entrega uma performance internalizada com ênfases nos pequenos gestos – como um olhar ou no controle de respiração – as suas expressões dizem muito. A crescente tensão criada por Diallo também é causada por Hall, que desenvolve com maestria as camadas da sua personagem e o peso que ela tem. Em “Master”, Hall consegue igualar (ou até mesmo superar) sua outra grande performance em “Support the Girls” e com isso merece muito mais crédito como atriz do que recebe ultimamente.
Ao mesmo tempo em que abraça o imaginário e o absurdo, Diallo também dá valor ao tom dramático e real da história, reforçando que apesar dos exageros necessários para lidar com a narrativa, as situações e os “racismos cotidianos” representados no filme são muito presentes na realidade. As comparações com “Get Out” são inevitáveis, mas apesar do tom ácido de ambos os filmes eles não são parecidos em suas estruturas. Enquanto “Get Out” foca nas microagressões sem focar em um ponto de vista humano, “Master” usa essas situações para discutir sobre o trauma e as pessoalidades de suas protagonistas. Por fim, “Master” se destaca na categoria de filmes do gênero por sua personalidade e pela visão aguçada de Diallo.