Em uma floresta tomada pela escuridão, ouvimos um narrador até então – desconhecido, nos falar sobre um soldado faminto que está vagando pela floresta em busca de uma presa para alimentar sua fome. O soldado, que não consegue encontrar nada, parece conformado com os acasos naturais e acaba cogitando cortar um pedaço de sua própria perna para que possa saciar-se, e por fim, seguir o seu destino final. Um começo poético e misterioso para “Os Primeiros Soldados“, que logo, nos mostra Rose cuspindo palavrões em meio a uma fila de carros, pedindo por respeito às travestis.
Na virada do ano para 1983, os jovens Suzano (Johnny Massaro), Rose (Renata Carvalho) e Humberto (Vitor Camilo) estão nos preparativos para as comemorações ao lado de seus amigos e familiares, no entanto, de alguma forma, todos desabam e se desencontram de alguma forma. E logo mais, um sentimento estranho parece estar engolindo o filme, como se os três personagens estivessem fugindo de algo. E realmente estavam. Suzano não escondia que estava apavorado com sinais que pareciam em seu corpo, enquanto Rose, uma artista teatral, passa a pedir que Humberto, um videomaker, registrasse suas performances, enquanto ela lida com uma busca tempestuosa por uma simples consulta hospitalar.
Já em 1984, cada um dos três protagonistas reage de sua própria maneira, o que seria um ano assombroso e de pura resistência. Com uma linda e espirituosa direção de Rodrigo de Oliveira, “Os Primeiros Soldados” é um retrato agoniante e espirituoso de como três amigos lidam com o surgimento da AIDS, que até então, era desconhecida e só se manifestava em homossexuais, garotas de programa e dependentes químicos. O roteiro, também do diretor, às vezes escorrega tentando ser bem intencionado, mas no geral, consegue exprimir o medo, as aflições e os sentimentos dos personagens em torno do que era desconhecido. O longa surpreende na reta final ao revelar uma aproximidade ainda maior entre os personagens, que estavam compartilhando de um tratamento experimental ainda no início da epidêmia de AIDS, com a esperança de obterem a cura.
Massaro é um dos grandes destaques do filme, mas a interpretação de Renata Carvalhoé tão viva, que é imbatível de tão grandiosa. Outro acerto do diretor em “Os Primeiros Soldados” é o final do longa, que dá destaque a Jean, o sobrinho de Suzano, que passou todo o longa em conflito com a descoberta de sua sexualidade e possuía um laço muito forte com seu tio. O filme não deu espaço ao personagem, mas conseguiu através dele reverter o clima pesado do longa, transformando-o em um longa sobre resistência. O uso da canção “Fala” do grupo Secos e Molhados complementa o texto final com uma mensagem de positividade que é de uma beleza inexplicável.
Quando retomamos para a cena inicial de “Os Primeiros Soldados“, podemos observar que o próprio filme reflete sobre sua história. Afinal, o quão longe iriamos para saciar nossa fome de liberdade? Ou melhor, o quão longe nós chegariamos para viver? A verdade é que apenas os mais bravos e corajosos soldados arriscariam a própria vida para enfrentar essa guerra.