MOSTRA SP – Memoria

Ao mesmo tempo em que “Memoria” busca um significado para a vida, também aceita a realidade que nos é apresentada, mostrando de maneira empática como as atitudes tomadas, por mais pequenas que sejam, ecoam pela eternidade.

Em uma matéria do New York Times sobre as melhores séries de drama feitas após “The Sopranos”, a série “The Leftovers” foi exaltada, porque, segundo o escritor, ponderava sobre grandes questões sem nunca parecer pesada, e tal afirmação se encaixa perfeitamente no que Apichatpong Weerasethakul conseguiu fazer com ‘Memoria’.

O filme tem uma premissa simples e mostra Jessica (Tilda Swinton) em busca da origem de um som que só ela consegue ouvir. Enquanto cuida da sua irmã que esta internada, ela passa boa parte do seu tempo pensando no barulho e tentando descrevê-lo para os outros. Apesar de não conhecermos Jessica antes do acontecido é nítido que a personagem mudou após começar a ouvir esse barulho. Por algum motivo causado por ele, Jessica percebe que estava fazendo da sua vida apenas uma passagem, sem prestar atenção no que lhe acontecia e, com isso, decide se importar mais com as ações cotidianas e com os indivíduos ao seu redor.

Apichatpong desenvolve a história de maneira lenta e natural e, por mais distante que a câmera esteja dos personagens, o filme nunca tem a intenção de afastar o espectador. O diretor toma o seu tempo e coloca o público como observador da vida dessa personagem, que em busca de algo que não se pode encontrar, consegue grandes respostas sobre a vida. Por mais simples que sejam, nenhuma cena ou diálogo é mostrado sem propósito, Apichatpong quer que o público, assim como Jessica, dê valor a tudo que aconteça, mesmo que as vezes pareça ordinário.

O filme muda de tom quando, durante uma viagem, Jessica conhece um pescador. Numa sequência de aproximadamente 20 minutos, o filme mostra uma longa conversa entre os dois. Muitos podem achar a cena arrastada e tediosa, mas ela é extremamente necessária para a construção do terceiro ato. As escolhas feitas durante essa cena são compatíveis com as outras que Apichatpong tomou durante tudo que antecedeu o momento. Ele sabe que a paciência é uma virtude necessária para quem busca apreciar e compreender não apenas o significado do filme, mas também a vida.

Tilda Swinton é a musa perfeita para Apichatpong e entrega, num papel que deve ser o mais simples de sua carreira, uma de suas melhores atuações. Todas as suas ações e reações durante as cenas são sinceras, naturais e profundas. Ela transita bem entre o tom contemplativo do longa e trás leveza a algumas cenas mais descontraídas. Até em cenas sem diálogo a atriz entrega reações que dizem tudo que precisamos saber. O filme precisava de uma alguém que despertasse o interesse do público como protagonista, e por ter uma personalidade peculiar que combina com o tipo de narrativa, Tilda soa como a única escolha possível.

Com ‘Memoria’, Apichatpong conseguiu abraçar o lado bom e ruim do mundo e realizar um trabalho que, por mais inacessível que seja, recompensa o espectador pela riqueza e sensibilidade com que lida com os sentimentos dos que já se foram e dos que ainda vivem para contar a história da humanidade.