MOSTRA SP – A Hero

Asghar Farhadi sempre foi um diretor competente e, até em seus trabalhos mais fracos como “O Apartamento” e “Todos Já Sabem“, foi capaz de criar narrativas que atraíram o espectador. Dez anos após seu trabalho em “A Separação“, Farhadi retorna a sua melhor forma com “Um Herói“, filme onde o diretor acerta todas suas tentativas e constrói uma obra empática sobre a jornada do herói e a ambiguidade das ações humanas.

O filme acompanha Rahim (Amin Jadidi), um homem recém saído da prisão que se encontra inserido em um dilema moral ao encontrar uma bolsa cheia de moedas de ouro. A construção do personagem e da jornada do herói dispensa maniqueísmos e mostra a linha tênue entre as boas ações e o oportunismo de Rahim, que se vê numa espiral de atitudes erradas que se acumulam até o final do filme como um efeito de bola de neve. O que Farhadi tenta fazer aqui é subverter a jornada do herói dispensando características de bem e mal absolutas com um protagonista que transita a todo momento entre o certo e o errado. Farhadi desmistifica os atos heroicos de Rahim e mostra a incansável busca da mídia por uma figura que sirva de ex emplo, mesmo que isso aconteça através da manipulação dos fatos e, dentro desse circo midiático, Rahim se vê usado ao perceber que foi abandonado na mesma intensidade em que foi acolhido. Esse comentário feito em cima da história de Rahim em momento algum soa como um ataque à imprensa, mas sim sobre o sensacionalismo e a necessidade de endeusar pessoas que são passíveis a erros.

O roteiro é complexo ao mesmo tempo em que é objetivo, é uma história simples que é elevada pela qualidade da escrita de Farhadi. É um tipo de filme que nas mãos de um diretor e roteirista menos espirituosos se tornaria um genérico e duvidoso comentário sobre a “cultura do cancelamento”, mas com a maestria de Farhadi em contar histórias sobre conflitos sociais e imperfeições humanas, acaba se tornando uma desconfortante luta pela honra que nos faz simpatizar pelo protagonista mesmo nos momentos em que se é difícil acreditar ou até mesmo apoiar suas atitudes. O grande mérito disso também é de Amin Jadidi, que entende todas as nuances do personagem e entrega uma performance tão crua que em certos momentos se torna dilacerante.

Ao adotar uma narrativa mais contemplativa no final do filme mostrando a desesperança de Rahim na tentativa de manter sua honra, Farhadi consegue construir uma história angustiante sobre a violência e brutalidade da sociedade aos erros cometidos por um homem desesperado. A exposição pública que ajudou Rahim foi a mesma que o destruiu e, o final que mostra ele em processo de aceitação com a sua situação poderia soar melodramático se a abordagem do filme não tivesse sido tão sincera e desoladora.