Cannes 2024 – The Other Way Around

“Casais devem comemorar quando se separam, não quando estão juntos.” A frase dita por Ale (interpretada por Itsaso Arana), além de mover a principal ideia do novo filme de Jonás Trueba, parece também exemplificar muito bem o estado da sua personagem. Ela e seu marido Alex (Vito Sanz) decidem, após quinze anos juntos, se divorciar. Acontece que a premissa do filme de Trueba não é tão simples assim. Ao invés de simplesmente seguirem seus caminhos após o divórcio, o até então casal decide realizar uma festa para comemorar o fim de seu matrimônio. Aparentemente, a ideia surgiu de uma conversa entre Ale e seu pai, mas parece que ela levou a constatação dele mais a sério do que deveria. Trueba encontra um grande prazer em retratar a reação das pessoas ao redor do casal ao descobrirem a notícia. Mas o que realmente torna “The Other Way Around” um trabalho tão fascinante é a maneira com que o filme se recusa a ser um filme sobre separação. Pelo contrário, Trueba parece ter uma certa aversão à ideia de realizar um projeto assim. 

Por grande parte da sua duração, “The Other Way Around” parece funcionar como uma espécie de nota de repúdio a filmes como “História de um Casamento”, de Noah Baumbach. Nenhuma das ferramentas dramáticas e narrativas é reproduzida aqui. Não existem filhos para eles brigarem pela guarda; não existem traições para avançar a trama; não existe uma briga judicial com clichês presentes nos “dramas de tribunal” que parecem frequentes em filmes dessa espécie; muito menos discussões ou monólogos do tipo Bergman que só existem para acentuar aquilo que já está explicitamente inerente à relação dos personagens. Talvez porque ele seja muito autoconsciente, ou talvez porque, como visto em seus outros filmes, como “You Have To Come and See It”, ele não tenha qualquer tipo de apreço pelo melodrama. Só vemos o casal discutindo em duas ocasiões, e ambas giram em torno do mesmo assunto: cinema. Ale é diretora e Alex é ator, então é normal que o casal tenha discussões sobre aquilo que está no centro de suas vidas. Mas o motivo do término em si permanece incerto ao longo do filme. Quando perguntada sobre isso, Ale simplesmente responde: “Nós não nos vemos juntos no futuro.”

Da mesma forma que a ideia de celebração deles representa o contrário daquilo que conhecemos como união, a abordagem de Trueba também é oposta a tudo aquilo que se espera de um filme sobre duas pessoas que decidem se separar. Isso não é “Cenas de um Casamento”, muito menos “Kramer vs. Kramer”. Isso só acontece porque Trueba parece mais concentrado na banalidade que existe por trás do matrimônio, na construção social que torna esse tipo de união a norma a ser seguida. “Tem um a cada dois dias”, diz Ale ao observar um casamento acontecendo em uma igreja perto do seu set de filmagem. Ela sabe que o fim de um casamento não é o fim de uma vida, e entende que grande parte de uma vida, mesmo que mudada, ainda pode ser vivida.

Mas a verdade é que, embora gire em torno de um divorcio, o filme de Trueba parece ser essencialmente sobre cinema. Não somente porque os personagens estão na produção de um filme, mas porque grande parte do argumento do diretor parece ser construído em cima disso. Durante uma conversa de Ale com seu pai, ele tenta cuidadosamente fazer com que ela mude de ideia em relação ao seu divórcio, e como todo filme de Trueba, ele dá uma razão filosófica por trás de seu argumento. Ele lhe dá a cópia de um livro de Stanley Cavell chamado “Busca da Felicidade”, que usa filmes como “Núpcias de Escândalo” de George Cukor, “Levada da Breca” de Howard Hawks, “Cupido É Moleque Teimoso” de Leo McCarey, entre outros, para contar histórias de paixões redescobertas na ficção. É aí que o trabalho de Trueba entra em uma questão: pode o cinema nos fazer melhor?

Se às vezes os filmes servem como espelhos de nossas histórias, o que a destruição de um núcleo familiar causado pelo processo de divórcio em “História de um Casamento” diz sobre como as pessoas devem encarar esse tipo de situação? Essa é a norma a ser seguida ou apenas um retrato da realidade? Isso vai influenciar quem o assiste? Filmes deveriam ter essa capacidade de mudar nossas percepções sobre assuntos da vida real? Talvez sejam perguntas demais para um filme que não se preocupa em respondê-las. A única resposta que Trueba nos dá é que a vida, para o bem e para o mal, não é como um filme. Se em uma cena onde, ao editar seu filme, Ale se pergunta: “esse era o melhor take que tínhamos?”, o mesmo pode ser refletido sobre as escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas. Será que, apesar de tudo, estamos fazendo o melhor que podemos para nós mesmos? Se casar era o certo a ser feito? Se separar vai corrigir isso? Diferente dos filmes, na vida real não temos a mesma oportunidade de refazer uma cena — ou, nesse caso, uma escolha — e por perceber isso, o mínimo que Trueba poderia fazer é nos alertar.