Sendo uma das sequências mais aguardadas para os fãs de filme de terror, em especial do subgênero slasher, ‘MaXXXine’ encerra a trilogia totalmente idealizada por Ti West — o responsável por dirigir, escrever, produzir e até mesmo editar os três filmes — e estrelada por Mia Goth, conhecida popularmente no Brasil como a neta da atriz brasileira Maria Gladys. Essa parceria implacável conquistou um público fiel ao fazer uma releitura desse subgênero aliada aos debates sobre puritanismo no cinema e pornografia, criando uma trama que envolve sexo, sangue e mistério, se passando no interior do Texas no final dos anos 70. O primeiro filme foi tão bem recebido que gerou interesse tanto na equipe, quanto nos fãs, sobre o passado de uma das personagens que também era interpretada por Goth, dando origem à prequel “Pearl” do mesmo ano de lançamento, criando um hype imenso sobre qual seria o futuro da tríade.
‘MaXXXine’ (2024), a sequência direta dos acontecimentos dos conflitos do filme inicial, surge como uma necessidade de Ti West de encerrar esse ciclo que foi muito importante para trazer reconhecimento, não só para ele, mas também para Goth, que tem tudo para se tornar uma atriz popular e inclusive já assinou com a Marvel (o auge para muitos atores que buscam ascensão). Dessa forma, o filme precisa mostrar que essa dupla, em especial, sabe criar histórias e momentos cinematográficos tão bons como os que os trouxeram até aqui, tomando cuidado para não cair no precipício do fã service e clichês do segmento.
O longa apresenta o enredo de uma atriz de filmes adultos, a porn star Maxine Minx (Mia Goth), que pretende seguir carreira em Hollywood. Ao ser escolhida para estrelar uma sequência de terror, a personagem começa a ser perseguida pelo seu passado e precisa conviver com ameaças constantes de ser denunciada pelos acontecimentos vistos em “X” (2022), além das mortes de colegas de trabalho que convivem com ela (Halsey e Lily Collins), criando uma espécie de rede de assassinatos misteriosos da qual ela é o ponto central de todos eles. Em contra plano, o filme aproveita para apresentar o contexto histórico da época. A liberdade sexual tomava conta de Hollywood e as produções norte americanas perdiam cada vez mais a vergonha em mostrar cenas explicitas ao explorar o assunto, atraindo não só a atenção dos jovens da época que sonhavam em trabalhar com isso, mas também de um serial killer famoso — inclusive na vida real —, o Perseguidor Noturno (Night Stalker).
Na medida em que a história acontece, muitos protestos da população conservadora da época começam a ocorrer na porta dos estúdios, atribuindo-lhes a culpa pela ação do assassino. O filme utiliza a presença desse elemento para brincar com o espectador, tentando nos fazer acreditar de que ela seria um dos alvos do sanguinário, porém, no fim das contas, nada disso importa. A realidade é que, ao ser perseguida por um capanga muito do bunda mole (Kevin Bacon), que apanha dela diversas vezes e é facilmente capturado pelo agente da protagonista (Giancarlo Esposito), Maxine se sente desafiada a vencer outro personagem que a persegue e a ameaça durante o filme todo.
Todos esses conflitos são mediados de forma muito paralela, sem criar exatamente uma conexão entre o assassino em série real e a história de Maxine, chegando ao ponto de não causar nem medo na própria personagem, no máximo uma certa curiosidade. No final das contas, quem a persegue com provas dos crimes cometidos por ela no passado e está por trás da morte de todas as suas colegas é seu próprio pai (Simon Prast), personagem introduzido somente no final da trilogia apenas para dar conta de todo o fiasco narrativo desenvolvido até o terceiro ato.
De uma forma muito básica, tudo o que foi executado até o desfecho da trilogia e que é abordado neste terceiro ato se resume à flashbacks e um braço da história nunca visto antes, o da seita de cristãos radicais assassinos de mulheres “endemoniadas”, tornando o final não só um pouco absurdo, mas também decepcionante. O filme trabalha sob duas operações: a do jogo de gato e rato entre Maxine e o vilão; e a da operação policial; deixando de lado o que o público mais queria ver no final da franquia, que eram as cenas de terror e perseguição do assassino com as vítimas.
Todos sabem que um bom slasher precisa desse tipo de sequência para criar forma, além das scream queens e muito sangue, o que não encontramos aqui. Parece que o intuito do filme é fazer uma reflexão metalinguística, um tanto quanto batida (da forma como foi feita nesse contexto), sobre o conservadorismo na américa e como as produções de terror não são valorizadas, parecendo quase que um desabafo do diretor que tomou forma na personagem de Elizabeth Debicki.
Debicki entende o tom do filme, assim como boa parte do elenco, entregando uma performance canastrona, mas de forma totalmente proposital. Sua personagem, diretora do filme que Maxine está estrelando, sempre realiza muitos monólogos floreados sobre o fazer da arte e sobre como a indústria trata a sua visão artística como um produto a ser sempre questionado. O elenco todo parece se divertir e é muito equilibrado em níveis de atuação, inclusive Mia Goth, que se preocupa em trazer uma certa seriedade para a jovem garota, porém acaba esquecendo um pouco do carisma que à trouxe até aqui. O elo frágil dessa equipe acaba sendo a Halsey, que tenta criar uma espécie de maneirismo na fala nada convincente, fazendo o papel de uma stripper caricata beirando o vergonhoso. Tornando difícil a experiência de assistir seus dois minutos de tela.
A direção de Ti West chega a ser interessante, com certas quebras de expectativa e momentos inspirados no found footage. Também dá para ver claramente referências aos filmes dos anos 80 como “Body Double” (1984) e seu clima noir, a consagrada franquia de slasher “Scream”, as questões do terror psicológico exploradas em “Psycoh” (1960) e até mesmo ao estilo de montagem/fotografia/filmagem de “Once Upon a Time in Hollywood” (2019). O último, inclusive, assemelha-se muito pela temática e por abordar as seitas que eram populares e um tanto quanto macabras daquela época naquela região dos Estados Unidos.
Entretanto, as escolhas de direção/roteiro parecem ser pouco eficientes em alguns momentos, como a utilização restrita dos cenários clássicos da Warner para criar momentos de ação, acessando o clichê da nostalgia principalmente pelo desfecho do filme na placa de Hollywood, conceito extremamente desgastado e completamente óbvio, sem nenhum tipo de justificativa além da convenção de que a casa do vilão fica no topo da montanha. Sem falar do uso excessivo de flashbacks durante o filme em situações aleatórias do cotidiano de Maxine para representar seus traumas do passado, recurso extremamente barato e genérico.
As cenas divertidas e até meio nonsense da trilogia com violência, sangue e perseguição, misturadas com erotismo, sotaques caipiras e performances camp se perdem neste capítulo final. A sensação de falta de substância no que diz respeito aos grandes momentos de horror, complexidade de relação entre os personagens e enredo do filme são as que ficam. Isso coopera para criar uma obra de 1h 44m com poucos momentos memoráveis, ou pelo menos memoráveis por serem de ‘MaXXXine’, afinal de contas, não se preocupa em criar algo novo ou ir além das referências. A inquietação está em conectar o filme aos acontecimentos da época e fazer disso uma crítica social óbvia e mal desenvolvida sobre o conservadorismo e a culpa cristã, comprometendo a experiência dos fãs da trilogia.
O filme passa uma sensação de esvaziamento de criatividade ou pouca ideia do que fazer com tantos recursos à disposição, como uma ambientação muito imersiva, um investimento em efeitos visuais e maquiagem muito superior aos filmes anteriores e, acima de tudo, um elenco de alto nível, porém mal explorado. Os momentos que causam interesse e euforia no público são deixados de lado, apostando no gore um pouco mais explícito como principal recurso de impacto. Deixando furos no roteiro e uma insatisfação causada por todos esses obstáculos citados acima, a história da franquia é certamente uma decepção para quem foi assistir seu encerramento com tanta expectativa causada por esses dois anos de espera.

