A Grande Testemunha (1966)

Avaliação: 5 de 5.

Robert Bresson, embora bastante imerso em sua própria formalidade, nunca deixou suas obras perecerem diante de algumas atribuições discursivas ao espaço do qual fazia parte. A sua intenção, moldada pelo seu próprio fazer, continha uma naturalidade rica quanto ao modo, e única como fórmula. Parte deste exercício de linguagem, de recortar enquadramentos e replicar ângulos em perspectivas moldadas pela ação, deixando-nos perdidos diante da câmara, ou abusando do amadorismo dos seus atores, compreende uma posição de ver o cinema mais do que o ato de registar e expor; é registrar, exibir e cuidar para que seja recebido como deve: com a multiplicidade de experiências absorvidas por quem o assiste.

A Grande Testemunha é mais do que um exemplo da disciplina de Bresson em comunicar e criar um espaço para o espectador situar a sua experiência. No filme, acompanhamos o burro Balthazar e sua visão do entorno, cooptada por diferentes pessoas, atacada e banalizada. A crueldade do homem, que se torna forçosamente passivo diante da delicadeza da mulher, expõe diferentes perspectivas do sofrimento do animal, e da razão humana para fazê-lo, ainda mais num espaço narrativo que compreende o próprio sinal de, às vezes, puerilizar escolhas como quando as fazemos devido ao entorpecimento do poder em adquirir, possuir e tornar nossas as coisas.

O burro, coitado, não sofre apenas ataques. Ele é abandonado, fica no frio e convive com a rejeição. Bresson não pretendia fazer do animal um mártir, mas sim um facho de luz lançado sobre o comportamento nocivo e muito inusitado do indivíduo, ou seja, aquele que não recorre a nenhum estudo de comportamento para ser eficaz, mas que no decorrer da obra, expurga o próprio animal sob sensação de deslocamento. São pessoas que vão e vêm com a certeza de propagar as mesmas ações — que, para Balthazar, são frutos da mesma partida e da mesma chegada. É como se ele estivesse destinado a testemunhar a frieza e a crueza do homem, a aptidão e também a aceitação da mulher, não como uma disputa de gênero, mas como uma elucidação das próprias intenções que pairavam naquele momento, e que de certa forma ainda correm os céus hoje em dia.

Disponível no MUBI.


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