Se no drama ‘Anatomia de Uma Queda’, filme em que Justine Triet ganha o grande público e crítica por sua direção e construção de história magnéticas, no ‘Na Cama com Victoria’, a diretora mostra sua versatilidade ao fazer um filme de comédia romântica que usa do sofrimento persistente da sua protagonista para ser engraçado, mas nunca apelativo.
Quando estreou no Festival de Cannes, em 2016, o longa levou apenas o prêmio do júri na Palm Dog, honraria que teria outro filme de Justine ganhador no futuro, o querido ‘Anatomia de Uma Queda’, com o cachorro-ator Messi levando o prêmio pra casa. É interessante como nos filmes de Justine ela se interessa em apresentar “objetos” e “figuras” que irão servir de ponto de partida ou até mesmo reviravolta na história, sempre os usando como gancho para o rumo do filme, mas nunca fazendo a história ser propriamente sobre eles, no ‘Na Cama com Victoria’, há vários, que vão de uma calcinha até um cachorro, e nessa variedade de objetos e figuras, vai formando-se o drama da vida da personagem principal.
Na trama, Victoria é uma advogada e mãe de duas filhas, certa noite ela é convidada para um casamento onde ocorre uma suposta tentativa de assassinato contra a namorada de seu amigo, o qual ela irá defender, colocando sua vida em um tornado de emoções e situações. A profissão de advogada escolhida pra personagem não poderia ser melhor pra contar a história de uma mulher atormentada, que além de todos seus adjetivos nada “tranquilos”, é também divorciada, ponto que é explorado no filme como um “purgatório” na vida de Victoria, é como se todos os outros problemas não bastassem, ela ainda tem um lugar para ser punida por um homem com quem teve duas das pessoas que ela ama, suas filhas.
As filhas também são “figuras” que puxam um gancho da história, mas essas por vez parecem nunca de fato virarem um assunto em si, elas estão ali mais como um reforço para a ideia da Victoria precisar de ajuda. Um dos personagens, Samuel, que é um tipo de ex cliente-estagiário-peguete-babá, chega na vida da Victoria e se firma nela por conta das filhas, uma maneira diferente, e inteligente, de usar filhos num filme que fala da vida de uma mulher e mãe.
Até os 40 minutos de filme é bastante notável a “comédia romântica” em si, mas sempre com um viés bastante dramático, a Victoria é uma personagem muito contraditória, e ela sabe disso, mesmo talvez nem tendo a intenção de ser, ainda sim, sempre possui a consciência de que essa é a sua essência e espera que os que estão ao seu redor adaptem-se a ela. Victoria convida homens para sua casa, os chama direto para o quarto, mas não chega a transar com eles, estendendo uma conversa por no máximo 10 minutos, e assim segue como se fosse a incompreendida da situação, chegando a ser até certo ponto.
No resto do filme, somos imersos no mundo do tribunal, onde acompanhamos o desenrolar do caso do amigo de Victoria. Triet usa planos não muito afastados e bastante centrados, movimentando a câmera apenas pro necessário do necessário, o julgamento em si, e capturando sempre a atuação intimista e magnífica da sua protagonista, Virginie Efira, que diga-se de passagem, é uma das melhores atrizes trabalhando atualmente, chegando a colaborar novamente com a diretora 3 anos depois em ‘Sibyl’.
As cenas onde os embates acontecem são as mais interessantes justamente pela maneira como são realizadas, a câmera foca mais no rosto dos personagens e dá espaço pra eles discutirem entre si, ou até mesmo, ficarem em silêncio. As cenas do apartamento da Victoria quando o ex marido dela também está presente lembra bastante, intencionalmente ou não, o longa de estreia da Triet, “A Batalha de Solferino”, de 2013, que tem como história central uma mãe divorciada lidando com o ex também. O final do filme não poderia lidar melhor com essa maneira da diretora de reinventar os clichês do gênero com uma abordagem feminista, provando que o drama-comédia familiar pode ser, ainda hoje, imprevisível.
Disponível no MUBI.

