Em Carne Viva (2003)

Avaliação: 4.5 de 5.

Quando se decide assistir a um thriller erótico, a última coisa que se espera é ser atordoado por uma abertura hipnotizante de uma Nova York onírica, onde o borrão da imagem parece servir como uma ferramenta que separa o real do imaginário, a carne do espirito. Também não se espera que Jane Campion faça referência à cena de patinação no gelo de “O Retrato de Jennie”, de William Dieterle, mas esse não é nem de perto o momento mais surpreendente de “Em Carne Viva”. 

Na verdade, o que torna a obra de Jane Campion um projeto tão singular em comparação ao resto dos filmes do gênero é como a diretora consegue não apenas subverter o “olhar masculino”, mas também reinventá-lo. A Frannie de Meg Ryan não é uma mulher fatal, mas também não é uma donzela indefesa. Ela é sua própria espécie rara. Uma mulher que, embora observada, não se esconde da vista. Embora atormentada, não reprime seu desejo. Ela é tão desapegada quanto impulsiva, vivendo no limite do seu anseio, às vezes sem se preocupar aonde isso pode levá-la. As suas escolhas a levam a um jogo de gato-e-rato com o detetive Malloy (Mark Ruffalo), que está investigando uma série de homicídios na sua vizinhança, mas durante grande parte do longa isso parece não preocupá-la. 

A relação dos dois parece tirada direto de uma obra do Hitchcock, em que a confiança mútua é algo inexistente e cada interação entre eles assume a forma de um jogo de poder, cuja única questão que importa é quem vai prevalecer na arte da enganação. Também existem referências a filmes como “Dublê de Corpo”, de Brian de Palma, que assim como “Em Carne Viva”, nos faz questionar, em vários momentos, quem está observando quem. Na verdade, o voyeurismo do trabalho de Campion é tão importante para a narrativa quanto no longa de De Palma. A diferença aqui é que o prazer em observar está nas mãos da sua protagonista feminina — uma extremamente complexa. 

O desejo não apenas guia a história, mas também a impulsiona. O clímax de Frannie é alcançado apenas quando existe um risco, algo que ela possa perder, e Campion faz questão de trazer toda a excitação da carne à tona. O erotismo é palpável, e as cenas de sexo são explícitas; Campion não demonstra pudor ao reproduzir o carnal. Ela utiliza o sexo como uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que pode gerar vida, também pode significar o fim de uma. É atmosférico, subversivo e, depois de “Crash”, de David Cronenberg, e “Hellraiser”, de Clive Barker, é uma das melhores representações do desejo sexual no cinema.

Disponível no MAX.


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