San Sebastian 2023 – La Práctica

A “Nova Onda do Cinema Argentino”, que ganhou força nos anos 1990, foi fundamental para a evolução cinematográfica do país. Seu realismo e estilo minimalista se destacaram como características distintivas desse movimento, abrindo espaço para cineastas renomados como Lucrecia Martel, Lisandro Alonso e Martín Rejtman. Esse movimento não apenas revitalizou a indústria cinematográfica argentina, mas também a projetou internacionalmente, influenciando e inspirando cineastas ao redor do mundo. Rejtman, que fez sua estreia com o filme “Rapado”, firmou-se como um dos principais nomes do movimento devido ao seu humor peculiar e à sua complexidade na escrita de personagens completamente identificáveis. Em “La Práctica”, seu novo longa-metragem após nove anos longe das telas, ele oferece mais um exercício sobre a humanidade e a busca pelo controle através das atitudes rotineiras. 

O filme segue Gustavo (interpretado brilhantemente por Esteban Bigliardi), um professor de yoga que enfrenta seu divórcio com Vanesa (Manuela Oyarzún), uma colega de profissão. Mesmo diante das recomendações de sua mãe e de Vanesa para encontrar um lugar próprio para morar, ele continua vivendo com seu ex-cunhado. Este, juntamente com a esposa, intromete-se constantemente no seu processo de divórcio, sem se importar minimamente com o seu conforto dentro do seu próprio lar. Além de enfrentar o processo de separação, Gustavo também lida com desafios em sua carreira. Ele enfrenta um acidente inesperado que ocorre dentro de seu estúdio, bem como a presença de um novo aluno que se revela ser pouco confiável. Para complicar ainda mais sua vida, Laura (Camila Hirane), uma de suas ex-alunas, aparece em seu caminho e se torna seu novo interesse amoroso.

Rejtman demonstra um profundo fascínio por questões aparentemente comuns e cotidianas. A separação de Gustavo, tratada durante as sessões de terapia de casal é apresentada como um processo de luto. Nesse período, ele precisa aprender a aceitar a ideia de que o relacionamento deles não tem mais futuro. A quebra de confiança ocorrida quando Vanesa o traiu parece ter servido como um despertar para ambos, mostrando que aquele relacionamento já estava acabado muito antes de terminar. Há também um contexto social e econômico na relação dos dois personagens. Ele, sendo originário do Chile, vive como imigrante na Argentina, e todos os bens que possuía em conjunto com sua ex-esposa acabaram ficando para ela após a separação. Ao longo do filme, vários diálogos entre eles abordam essas questões, mostrando a desigualdade inerente à relação deles. Além de sua separação, outra dinâmica que se destaca é o relacionamento entre ele, Laura e Mattias, seu novo aluno, que é suspeito de ter sido responsável por um furto em seu estúdio. Mattias desempenha um papel enigmático ao longo do filme. Sua origem e intenções permanecem desconhecidas, mas ele parece se inserir facilmente no círculo social de Gustavo. Na relação entre o professor e Laura, Rejtman evita os clichês narrativos frequentemente associados aos reencontros com figuras do passado, gerando uma abordagem autêntica a essa dinâmica.

Apesar de retratar vários acidentes e complicações pessoais ao longo do filme, tudo é muito simples em “La Práctica”. Rejtman leva a estrutura minimalista a outro patamar por grande parte do longa, conseguindo transformar atividades introspectivas como o yoga e a meditação em algo genuinamente atraente para o espectador. Cenas que envolvem essas atividades, bem como viagens de carro e moto, são repetidas ao longo do filme. É através desse método de repetição que o diretor encontra uma maneira de contemplar profundamente as questões que envolvem a nossa humanidade. Diante da repetição, Rejtman parece se aprofundar cada vez mais nos sentimentos e individualidades de seus personagens. Nem mesmo seu humor inexpressivo consegue afastar o espectador da história que está sendo contada; pelo contrário, essa abordagem parece tornar tudo o que está em cena ainda mais verdadeiro. 

O seu envolvimento com o filme pode depender da sua crença na capacidade de atividades como essas serem funcionais como ferramentas de cura e autodescobrimento. É essencial acreditar que tudo isso faz parte de um projeto maior de cicatrização, seja física ou emocional. Nesse contexto, Rejtman utiliza a personagem Steffi (Celine Wempe) para construir uma representação mais clara do que ele parece defender. Como mencionado anteriormente, Steffi é a aluna de Gustavo que sofre um acidente após um pequeno terremoto atingir o estúdio onde estavam. Com uma fratura na cabeça, ela começa a enfrentar problemas de memória, mas isso não a impede de continuar frequentando as aulas. Steffi personifica tudo o que Gustavo enfrenta ao longo do filme. Assim como ela, ele precisa seguir em frente e fazer o que deve fazer, mesmo que nada daquilo faça muito sentido. Ambos os personagens precisam aprender a lidar com a perda e, por mais diferentes que elas sejam, é isso que torna o trabalho de Rejtman tão ilimitado.

Os temas que ele aborda, embora contextualizados, podem ser interpretados de maneiras diferentes, logo, “La Práctica” funciona como uma forma do diretor mostrar como eventos específicos podem ter suas percepções alteradas dependendo da individualidade e do ponto de vista de cada espectador. Nada é tão claro quanto parece ser, ainda mais em um mundo onde o cinismo é impregnado na essência da humanidade. Visto que o filme consegue abordar todos esses temas sem nunca parecer demasiado, pode-se afirmar que o trabalho de Rejtman representa o cinema minimalista na sua forma mais expansiva.