San Sebastian 2023 – MMXX

Com “MMXX”, Cristi Puiu, diretor e roteirista romeno, firma-se como um dos melhores cineastas do slow-cinema contemporâneo. Este estilo cinematográfico, que preserva o ritmo lento e o tom contemplativo, teve como principais expoentes nomes como Michelangelo Antonioni e Chantal Akerman. Em seu filme, Puiu parece encontrar sua maior inspiração em Akerman durante grande parte do tempo.

O filme é dividido em quatro histórias, começando com uma longa sequência onde a psicóloga Oana Pfeifer (interpretada por Bianca Cuculici) luta para conduzir um questionário com uma de suas pacientes. A consulta se desenrola ao longo de vinte minutos, durante os quais Oana se atrapalha ao tentar seguir seu próprio roteiro. A incapacidade de realizar uma tarefa simples, que para qualquer pessoa seria corriqueira, remete à mesma sensação de ruptura que parece prevalecer sobre a personagem de Delphine Seyrig em “Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles”. No filme de Akerman, atividades simples como descascar batatas tornam-se desafios monumentais para a personagem, que parece entrar em uma espiral onde tudo escapa ao seu controle. Essa abordagem meticulosa e observacional, compartilhada por Puiu e Akerman, evidencia a complexidade do cotidiano e a vulnerabilidade diante de tarefas aparentemente simples, oferecendo uma poderosa reflexão sobre a condição humana.

As outras duas histórias que dão sequência também envolvem a personagem de Cuculici. Aqui, observamos seu irmão, Mihai Dumitru (interpretado por Laurențiu Bondarenco), tentando organizar sua festa de aniversário enquanto enfrenta outros problemas do seu cotidiano. Ao contrário da primeira história, Puiu parece manejar diálogos mais dinâmicos, analisando as demandas de Dumitru de uma forma bastante banal. Na outra história, acompanhamos o marido de Oana, que passa a maior parte do tempo em cena conversando com um amigo sobre assuntos corriqueiros da sua profissão. Existe algo na maneira como Puiu trata os eventos mais comuns como uma forma de investigação profunda sobre as relações humanas que o eleva a um outro patamar. Sua habilidade em transformar o ordinário em algo profundamente revelador destaca não apenas sua maestria técnica, mas também sua compreensão única da complexidade humana.

A última história do filme é, sem dúvida, a parte mais fascinante do longa. Aqui, somos apresentados a Narcis Patranescu (interpretado por Dragos Bucur), um inspetor de crime organizado que comparece a um funeral para interrogar uma jovem que aparentemente possui informações sobre o assassinato de um de seus colegas de trabalho. Puiu ilustra como as tragédias reverberam em todos ao seu redor, independentemente de seu envolvimento direto. Os dois personagens parecem profundamente afetados pelo evento e vivem como se estivessem tentando, desesperadamente, encontrar uma maneira de lidar com a situação. O diretor revela duas perspectivas completamente distintas do luto: uma marcada pela busca incansável por justiça e outra caracterizada pela tentativa angustiada de aliviar a culpa pelas circunstâncias. A forma como Puiu explora essas complexidades emocionais nos mostram a verdadeira natureza humana em face da tragédia.

Durante a maior parte de sua duração, “MMXX” parece completamente inacessível para o público casual. As intenções de Puiu não são evidentes inicialmente; é um trabalho que parece se desdobrar diante do espectador à medida que reflete sobre as questões em jogo no filme. A maestria com que o diretor extrai a essência da humanidade de sua narrativa e de seus personagens é o que torna o filme tão admirável. Tornar reações humanas a assuntos banais atrativos é uma tarefa árdua. Fazer isso funcionar por duas horas e quarenta minutos é ainda mais desafiador, mas Puiu consegue. Isso só ralça sua habilidade em criar uma aura enigmática em torno das histórias mais comuns. Embora não seja um dos melhores trabalhos do ano, é inegavelmente um dos mais persistentes.


VEJA TAMBÉM