Toronto 2023 – Nowhere Near, Mambar Pierrette & Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person

No filme “Nowhere Near”, dirigido por Miko Revereza, a questão do processo migratório serve de cenário para o debate de questões culturais e sociais que afetam diretamente todos aqueles que, por algum motivo, ainda acreditam no sonho americano. Miko, que trabalha como entregador de alimentos, transforma a história ao seu redor em um ensaio cinematográfico que analisa profundamente o descaso enfrentado pelos imigrantes no país. O diretor também explora o impacto que os atentados de 11 de setembro tiveram na questão migratória dos Estados Unidos, tanto para pessoas árabes quanto para outros grupos étnicos.

Revereza utiliza esse espaço para criticar algumas questões relacionadas ao funcionamento do programa “DACA” (Ação Diferida para Chegadas na Infância), implementado durante o governo de Barack Obama como uma maneira de conceder direitos de residência e trabalho legal no país. Com veemência, ele analisa todos os obstáculos que o governo dos Estados Unidos impõe no caminho dos imigrantes, seja tornando o processo de legalização mais difícil ou cobrando preços abusivos para que a situação dessas pessoas seja considerada “legal” perante a lei.

Mantendo sempre sua visão artística experimental, Revereza adota uma abordagem não linear em relação aos eventos de sua vida. Seu trabalho não é tão elusivo a ponto de dificultar nossa compreensão da história, mas ele assume as consequências que acompanham sua escolha de contar uma narrativa simples com uma montagem inovadora. Como ele mesmo menciona ao longo do filme, ao editar um filme, o corte funciona como uma fratura na imagem, uma entrada e um ponto de saída para aquele momento, e essa parece ser a explicação mais plausível para a maneira como ele lida com essa questão. Ao longo do filme, Revereza utiliza a edição de forma inteligente para garantir que todos os seus arcos narrativos tenham um começo, meio e fim, sem deixar que o filme caia em algum ponto vago. Talvez esse também seja o motivo pelo qual a história do diretor se mantenha tão ressonante através do filme. 

O filme começa com a frase “Eu tinha perdido um país, mas havia conquistado um sonho.” de Roberto Balaño, e essa declaração parece resumir perfeitamente a abordagem de Revereza em relação ao seu passado e presente. Ele reconhece que muitas coisas foram deixadas para trás, mas opta por aceitar tudo o que ainda está à sua frente.

Outro filme que parece abordar profundamente as questões pessoais e sociais que muitas pessoas enfrentam ao longo de suas vidas é “Mambar Pierrette”, dirigido por Rosine Mbakam. O filme adota uma abordagem híbrida, alternando entre elementos fictícios e documentais da narrativa, e retrata de forma realista como a sociedade de Douala lida com os acontecimentos do cotidiano. Acompanhamos a jornada de Pierrette Mambar (interpretada por Pierrette Aboheu), uma costureira que, em certos momentos, parece estar em um piloto automático para sobreviver. Ao longo do filme, testemunhamos todas as dificuldades que Pierrette enfrenta em sua vida, desde pegar empréstimos para pagar contas pendentes até ser vítima de assaltos e perder seus pertences materiais, sem mencionar o desafio constante das enchentes e alagamentos que parecem dominar a cidade. Nada para ela parece fácil, então soa estranho o fato dela nunca parecer sucumbir diante dessas adversidades, mas é isso que torna a história do filme tão universal. 

É possível que ao longo de nossas vidas, todos nós tenhamos conhecido alguém como Pierrette. Ela representa todos aqueles que parecem incapazes de desistir, não para mostrar aos outros quão invencíveis são, mas porque talvez seja tudo o que sabem fazer. Mbakam transforma Pierrette em um ícone de resiliência, uma figura tão acessível que, por vezes, é melhor nem tentarmos nos igualar a ela. Ela intercala o real e o fictício tão habilmente que, em algumas cenas, fica difícil determinar o que é encenação e o que não é. Independentemente disso, tudo parece muito real. Ela não precisa nos convencer disso. Em certo momento, Pierrette diz: “Quando a câmera está apontada para você, você foge”, mas isso não se aplica a ela, nem a ninguém no filme. Pelo contrário, quando a câmera está direcionada para eles, é aí que eles parecem ser mais verdadeiros. Com roteiro ou sem, não há encenação; Mbakam captura mais do que imagens e diálogos, ela captura vidas e tudo o que as acompanha.

Sendo o único filme totalmente fictício mencionado aqui, “Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person”, dirigido por Ariane Louis-Seize, também surpreende pela sua autenticidade. O filme funciona essencialmente como um subenredo de “What We Do in the Shadows”, onde uma jovem chamada Sasha (interpretada por Sara Montpetit) rejeita o estilo de vida que seria natural para ela seguir. Em uma família de vampiros, ela parece ser a única incomodada com a ideia de matar alguém em busca de alimento. Até que ela conhece Paul (interpretado por Félix-Antoine Bénard), um jovem com tendências suicidas. Ela encontra nele uma maneira de satisfazer seu instinto natural sem prejudicar os sonhos e ambições do outro.

Seize, que também co-escreveu o filme com a ajuda de Christine Doyon, lida habilmente com os momentos de maior intensidade do filme, sejam eles cômicos ou dramáticos. Embora seja interessante e tecnicamente bem construído, não há muito para morder aqui. Nenhuma das apostas é alta o suficiente para elevar o filme a algo além do que ele é: um romance de amadurecimento que trata de encontrar humanidade e amor nos lugares mais difíceis. É um bom trabalho no que se propõe a realizar, mas não acrescenta nenhum elemento novo a uma temática que parece cada vez mais carente de grandes acontecimentos.


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