A Itália durante o ano de 1938 foi marcada pela ascensão do governo fascista de Benito Mussolini. Em 1936, o tratado entre a Alemanha nazista de Adolf Hitler e a Itália estreitou os laços entre os dois países e culminou na formação do Eixo Berlim-Roma. Em 1938, Mussolini tomou a decisão de implantar as leis raciais no país. Essas leis foram inspiradas nas políticas antissemitas nazistas da Alemanha e resultaram na discriminação e perseguição dos judeus italianos, negando-lhes seus direitos civis e restringindo suas atividades profissionais e sociais. No dia 22 de maio de 1939, foi assinado o tratado que levou como nome o “Pacto de Aço”, que nada mais era do que uma reafirmação de uma aliança militar e política entre os dois países.
Dez anos depois, Cesare Pavese, o renomado escritor italiano, lançou uma de suas obras mais referenciadas, o romance “La bella estate” (“The Beautiful Summer”). O livro se passa durante a década de 1930 e acompanha a história de Ginia, uma jovem de 17 anos que decide passar suas férias em Turim com sua família e amigos. Durante essa viagem, Ginia, que trabalha como costureira em um ateliê, conhece Amelia, uma jovem sedutora que ganha a vida servindo como modelo para pintores.
O filme de mesmo nome é uma criação de Laura Luchetti, diretora e roteirista responsável por essa adaptação. Luchetti parece ter sido bastante fiel ao texto original de Pavese, com a exceção de que ela preferiu situar toda a história durante o ano de 1938. A mudança parece trazer um aspecto de urgência para a narrativa, já que observamos uma Itália inundada pelo fascismo e pela guerra iminente que aguarda o país. É interessante notar como Luchetti consegue lidar com vários tipos de ruptura através dessa história que, por mais simples que pareça, carrega consigo um fascínio imenso pela transformação emocional e física do ser humano na sua evolução pessoal. Durante uma sequência, Ginia (Yle Vianello) conversa com seu irmão Severino (Nicolas Maupas) sobre ter conseguido encontrar em Amelia (Deva Cassel, filha de Vincent Cassel e Monica Bellucci) e seus amigos um lugar onde ela se sente pertencer. Ao questionar o irmão – que é escritor – o motivo pelo qual ele não tem escrito durante sua viagem, Ginia recebe como resposta um “Eu não sei sobre o que escrever.” e, por toda a franqueza na entrega de Maupas, essa fala consegue representar bem o aspecto de identificação que “The Beautiful Summer” parece lidar.
A vida boêmia pela qual Ginia se interessa não parece encantá-la, mas sim corrompê-la. Ela vê em Amelia tudo aquilo que ela não vê em si mesma, seja pela liberdade física e sexual ou por tudo aquilo que ela representa. Em um momento do filme, Ginia diz para a modelo que queria que mais alguém olhasse para ela. Para Ginia, o reconhecimento de Amelia já não bastava, ela queria se tornar ela. Luchetti lida com essa questão de maneira realista, não existe uma má intenção no desejo de Ginia, apenas a aspiração em torno daquela imagem que para ela representava a liberdade.
Se no cinema, o movimento neorrealista do qual Pavese fazia parte era representado por cineastas como Roberto Rossellini e Vittorio De Sica, é importante ressaltar que o responsável por adaptar suas obras foi Jean-Marie Straub, um dos nomes mais importantes do cinema experimental moderno. Em “L’Inconsolable”, Straub adapta trechos do livro “Diálogos com Leucó” de Pavese em uma releitura sobre o Mito de Orfeu e Eurídice, onde Orfeu se recusa a trazer sua amada de volta à vida com a intenção de não fazê-la sofrer uma segunda morte. Não existe nenhuma semelhança entre as abordagens de Straub e Luchetti, pelo contrário, ambas parecem contraditórias quando colocadas lado a lado. Em uma de suas análises sobre o filme de Straub, Tony Pipolo, autor e crítico, disse que o diretor “manteve a fé em uma estética da economia que trata a linguagem e as imagens como iguais”, já Luchetti opta pela imagem como seu ponto de partida para a história de Pavese. Com a fotografia de Diego Romero Suárez-Llanos, a diretora cria representações visuais equivalentes a pinturas clássicas, com um senso de estética refinado e condizente com o teor da narrativa, conduzindo cada plano com magnificência. Em um dos momentos de “L’Inconsolable”, ao Baca questionar se Orfeu havia se perdido da luz (que, no caso do mito, representava sua salvação), ouve que “através da compreensão, ele se encontrou”. Apesar das divergências nas abordagens de ambos os diretores, eles parecem entender que essa é a melhor maneira de se alcançar.

