Veneza 2022 – Blanquita

Avaliação: 4 de 5.

“Blanquita” de Fernando Guzzon é um fascinante e poderoso conto sobre a justiça. O filme é baseado no caso “Spiniak”, que foi uma investigação em torno de uma rede de tráfico e prostituição infantil que era comandando por um influente homem de negócios chileno. O filme acompanha Blanquita (Laura López), uma jovem de 20 anos que vive em um abrigo. Conforme os noticiários começam a cobrir a investigação policial, Blanquita decide contar a sua parte da história. Ela acusa um político de estuprá-la por um ano em um dos cativeiros, e conforme ultrapassa os estágios da denúncia, a linha entre a verdade e a mentira é diluída. A igreja católica se envolve na denúncia quando o padre Manuel, que também é o administrador do abrigo onde Blanquita vive, decide ajudar a jovem a contar sua história. Rapidamente, ela começa a se tornar um mártir, dando voz aos que não as tem e vingando àqueles que não sobreviveram para contar a própria história.

Os fantasmas da ditadura de Pinochet continuam impregnados na política chilena. O escândalo logo começa a preocupar o partido conservador do país, visto que parte de seus membros parecem envolvidos nas acusações. Conforme o New York Times reportou no dia 8 de agosto de 2004, María Pía Guzmán, membro do partido no congresso, acusou colegas de envolvimento no caso. Mas como Pinochet ainda possui influência no sistema do país, não é uma surpresa o fato de que membros do judiciário decidiram acobertar os acusados. Em um país marcado pela corrupção, é compreensível que pessoas como Blanquita escolhessem ficar em silêncio, e é isso que faz a voz dela ser tão estridente. Ela não estava apenas atingindo os acusados, mas sim todo o sistema que protegia os mais poderosos do país. 

Guzzoni usa do espetáculo ao redor de Blanquita para mostrar como a igreja católica e o sistema judiciário não fizeram só vista cega para os acusados, mas como ajudaram diretamente a acobertar os crimes cometidos por eles. A hipocrisia daqueles que eram responsáveis por guardar a justiça é algo comum em países onde tiveram ditaduras. O mal afligido por esse tipo de regime vive por décadas após os seus fins. É difícil evitar algo que está em constante processo de mudança, sendo cada vez algo mais sutil, mas sem perder a sua essência opressora. Nesse caso, toda a repressão sofrida por Blanquita é um exemplo vivo de como a tirania do regime de Pinochet continua a destruir o povo chileno. 

Blanquita é o tipo de anti-heroína que os cineastas adoram retratar, e o que faz a abordagem de Guzzoni tão envolvente é o fato dele mostrar até onde ela pode ir por justiça. Ele ajuda a construir essa imagem contraditória e até mesmo imoral, mas faz isso porque sabe que é necessário um mal para derrotar outro. Guzzoni entende que, em um lugar onde a justiça falta a aqueles que mais precisam dela, os fins justificam os meios.