Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011)

Avaliação: 2 de 5.

Não há dúvidas de que, desde sua premissa baseada no livro homônimo de Lionel Shriver, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” promete envolver o espectador com uma série de ponderações sobre o comportamento humano. Pode alguém, em sua essência, ser capaz de atrocidades desde a infância? O ambiente ao redor do indivíduo pode transformá-lo? A falta de amor convencional e idealizado pode acentuar essa ruptura entre o certo e o errado? Fechar os olhos para essas questões vai fazer com que esses comportamentos se ocultem? A diretora Lynne Ramsay se esforça para explorar essa série de questionamentos, mas a raiz do problema não é só psicológica, é também narrativa.

O filme acompanha Eva (Tilda Swinton) e Franklin (John C. Reilly) conforme os dois lidam com o nascimento e o desenvolvimento de seu filho Kevin. Ele é uma criança distante, que parece não possuir qualquer tipo de apreço pelos esforços de seus pais, rejeitando toda e qualquer investida e tentativa que eles têm de aproximá-lo. No entanto, o maior problema de Kevin parece ser com sua mãe, que aparenta operar como uma figura de autoridade a qual ele há de enfrentar a todo custo. Embora ele carregue o nome da obra e seja figura central para o desenvolvimento da história, Ramsey encontra na personagem de Swinton uma maneira mais estimulante de lidar com todo o peso que o filme carrega. Ela não planejava nem desejava aquela gravidez e, por conta de seu trabalho como escritora, não tinha o tempo necessário para lidar com todos os deveres da maternidade. A ausência de seu marido na criação de Kevin acabou por transformá-la na carrasca dessa relação. O trabalho de educar e repreender recaiu sobre ela, que não possuía o jeito para essa vocação. Logo, a relação dela com seu filho se torna cada vez mais insustentável.

No papel, não existem muitas maneiras de lidar com essas questões sem soar didático, e há mérito na maneira inventiva com que Ramsey decide lidar com parte dessa abordagem. A primeira parte do filme é construída de maneira elusiva, em que grande parte da história é formada por fragmentos, a partir de pedaços de uma vida que parece ao mesmo tempo perdida e cicatrizada na memória. A linha que separa Eva de Kevin parece borrada, especialmente quando Ramsay leva o espectador a considerar que ela é a culpada pelos horrores cometidos pelo filho. As sequências quase oníricas dos dias de juventude de Eva e Franklin, juntamente com a intercalação entre o passado e o presente da família, cuja lacuna entre o ausente e o material parece preencher o quadro, estão entre os melhores momentos da carreira da diretora. No entanto, o show precisa continuar e a história precisa se desenvolver.

Ramsay utiliza as figuras mais convencionais e calculadas para conduzir essa história, e o que poderia ser uma contemplação sobre culpa e laços familiares se torna um exercício psicológico vazio de estudo de personagem. Os métodos narrativos empregados pela diretora variam de pouco inspirados a ofensivos, resultando em uma das representações mais caricatas e ineptas de questões psicológicas já abordadas em filmes desse gênero. Ela parece se perder em uma etapa básica do cinema: conciliar sua visão com a história que deseja contar. A mudança abrupta entre os estilos, a subestimação do público com diálogos e cenas expositivas e a agressividade insensata — tanto visual quanto narrativa — levam o filme a um caminho onde todos os sentimentos parecem difíceis de se conter. Mas existe uma coisa que Ramsey indica compreender e dividir com os personagens: o desprezo por sua protagonista. Eva é agredida, assediada e violada durante grande parte da história, e tudo isso não deixa de parecer gratuito. É uma odisseia de uma mulher torturada e diminuída até a quase inexistência, mas não pelas razões pela qual Ramsey pretendia. O propósito é vago demais e a diretora dá a impressão de não possuir (ou pelo menos traduzir) o discernimento necessário para lidar com uma personagem tão complexa. Ela se concentra tanto em falar sobre o Kevin que parece deixar de lado aquela que parece ter sido a maior vítima de tudo isso. 

Quando Kevin relembra uma cicatriz que sua mãe lhe causou em um acesso de raiva, ele diz que aquilo havia sido a coisa mais honesta que ela já tinha feito. Nesse caso, é como se a violência fosse a única representação válida de uma reação genuína, mas o que isso tem a nos dizer sobre os rumos daquela história? É claro que não devemos levar grande parte do que ele diz em consideração, mas essa frase também tem muito a dizer sobre como a diretora conduz toda essa narrativa. O excesso parece ser a única maneira pela qual ela consegue expressar as ideias mais significativas da obra, mas diferente do ato de Eva, tudo aqui é deliberado e artificial. Em razão disso, Ramsey anula o intelectualismo e o debate viável em favor do choque e da provocação barata, mas talvez isso aconteça porque ela realmente acredita que, só porque algo penetra a pele, isso significa que tenha alguma profundidade.